28 de julho de 2015

O MISSÃO DA IGREJA E O SEU PAPEL SOCIAL



CONSIDERAÇÕES SOBRE A MISSÃO DA IGREJA E SEU O PAPEL SOCIAL

Almir de Souza Cruz *

Resumo
 O artigo aborda a questão da missão da igreja e seu papel social. Ele fala sobre a importância do cumprimento da missão estabelecida por Jesus para sua igreja e as suas consequências naturais por meio da vida comum dos discípulos e comunitária quando cada discípulo dele para o bem da sociedade em que a igreja está inserida a sua volta.
Palavras-chave: Discípulo. Igreja. Prática da Palavra. Próximo. Viúvas.

1 Introdução

Todos nós seres humanos e todas as organizações que existem desempenham algum tipo papel na nossa sociedade, seja para o bem seja para o mal. A igreja, por sua vez, é uma organização social composta de indivíduos que devem ser transformados pela Palavra de Deus para desempenharem seus papéis como seres sociais para o bem da coletividade na sociedade.
De acordo com a missão dada por Jesus em (Mt. 28.18-20) a igreja é uma máquina de produzir discípulos de Cristo. Isto implica dizer que a estratégia da igreja de Cristo é produzir verdadeiros e frutíferos discípulos dele, os quais devem ser homens maduros e santos, pais de família exemplares e bons cidadãos honrados em todos os aspectos como manifestação do fruto do Espírito em suas vidas para o bem comum. E é neste sentido, que a igreja local tem um papel de extrema relevância para a sociedade, ao produzir homens e mulheres, famílias como um todo, dotadas de boas ações e que vivem como exemplo para o bem de todos a sua volta.

Há nas Escrituras Sagradas varias passagens que nos mostram esse papel da igreja. Nós encontramos orientações diversas nas passagens das Escrituras sobre a comunhão de uns com os outros, a prática do bem, a mútua cooperação, o auxílio aos pobres, o auxílio às viúvas, aos órfãos e assim por diante. Eu gostaria de destacar neste momento apenas algumas passagens bíblicas que reforçam a ideia que a igreja tem um papel social relevante como resultado concreto de sua missão de fazer discípulos ao redor do mundo até a volta de Jesus para estabelecer o seu reino de justiça e paz.

2. A PRÁTICA DA PALAVRA DE DEUS

A primeira passagem que merece destaque está em Tiago 1.16-27. Neste texto o irmão do Senhor Jesus Cristo e coluna da igreja primitiva ensina a sua audiência original a respeito da prática da Palavra de Deus. Pratica esta, segundo ele desenvolve no contexto posterior do nosso texto, deve ser encontrada naturalmente nas vidas daqueles que tem fé como uma demonstração concreta desta fé. A afirmação de que Deus é a origem primária de tudo que é bom no verso 17 do capítulo é relevante para a compreensão de todo o texto, pois a prática da Palavra é uma demonstração significativa do envolvimento íntimo do discípulo com o seu “Bom Mestre” Desta maneira, “toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto, descendo do Pai das Luzes...”
Segundo o autor afirma no texto “todo homem deve ser pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar porque a ira do homem não produz a justiça de Deus”. Torna-se importante frisar que o autor está instruindo e advertindo a sua audiência original no sentido de que cada um deles deveria “despojar, isto é, tirar definitivamente de suas vidas a impureza e o acumulo de maldade”. Na verdade, isto implica em santificação progressiva porque por meio do acolhimento da Palavra de Deus “implantada em vós”, o poder da salvação operada por Deus é verificado concretamente na vida do discípulo dele. Por isso, a grande exortação do autor no texto para sua audiência original é para que sejam “praticantes da palavra e não somente ouvintes.” Podemos perceber nas palavras do autor que é possível que alguns de seus leitores estivessem enganando a si próprios não praticando a Palavra de Deus. Ser um discípulo e não praticar a Palavra, segundo ele, seria o mesmo que se olhar num espelho perceber alguma parte do rosto ou do corpo necessitando de cuidados e não tomar quaisquer providências. Assim, uma pessoa que olha a Palavra e não pratica, isto é, não muda os atos pecaminosos pelos ensinos bondosos do nosso Deus estaria “enganando a sim mesma”. De modo que é um absurdo, uma verdadeira aberração que alguém diga que tenha fé e não seja transformado pelo Senhor por meio da prática da sua bondosa Palavra.  O autor conclui o parágrafo argumentando que “aquele que considera a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante da Palavra de Deus esse será feliz em suas realizações”. O autor conclui o seu raciocínio apresentando uma questão relevante para a temática do papel social da igreja. Segundo ele, “se alguém supõe ser religioso deixando de refrear a sua língua, antes enganando o próprio coração, a sua religião é vã”. Assim, algo entre os seus leitores na igreja primitiva o faz afirmar que “a religião PURA E SEM MÁCULA para com o nosso Deus é esta: socorrer aos órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo”. Podemos concluir, portanto, que alguns dos mais graves problemas sociais dos seus dias encontram-se destacados no texto, a saber: o mau uso da língua de uns para com os outros; a falta de assistência aos mais vulneráveis na sociedade, aqui no caso da igreja primitiva, órfãos e viúvas em suas tribulações e a contaminação para com as cosias más deste mundo cheio de maldades.
Ainda como somatório deste argumento no final da epístola de Tiago, no capítulo 5.1-6, a própria escatologia toma um sentido explicito social quando o autor afirma exortando que o castigo futuro dos ricos ímpios virá como consequência natural do mal praticado por eles contra os pobres que não ofereciam resistência alguma. O que estava acontecendo era que trabalhadores estavam clamando ao Senhor e estavam sendo ouvidos por ele após terem sido roubados pelos ricos daquele presente século que “viviam regaladamente em seus prazeres tendo condenado e matados justos sem que eles oferecessem resistência”. Os ricos, como bem frisou o autor, “estavam engordando os seus corações em dia de matança”.
Tendo dito isto, podemos enfim afirmar que o resultado concreto oriundo da vida de um discípulo de Cristo, isto é, da vida de alguém que realmente prática da palavra do BOM DEUS é o bem que beneficia as vidas daqueles que vivem vidas comuns em sociedade. Deste modo entendemos que Deus espalha a sua bondade através dos verdadeiros e frutíferos discípulos de Cristo que o glorificam agora com seus atos generosos e justos em prol dos outros seres humanos. Percebemos que esse é o papel social da igreja, os crentes primeiramente praticam a Palavra de Deus e obtêm resultados específicos em suas vidas morais particulares, esses resultados individuais impactarão suas famílias e a sociedade de uma forma geral. E assim a bondade de Deus é partilhada socialmente por meio dos seus filhos, pois os seus filhos por amor a Ele amam e ajudam o próximo.

3 QUEM É O MEU PRÓXIMO?

Essa pergunta nos leva a segunda passagem que gostaríamos de destacar e que reforça a ideia da missão da igreja e o seu papel social. Ela ficou famosa com o título “A parábola do bom samaritano” e encontra-se no evangelho de Lucas. 10.25-37. Nela, há um diálogo curioso entre Jesus e certo intérprete da lei em Israel cuja intenção básica era “por Jesus em provas”. Naquela ocasião ele interrogou Jesus sobre “o que deveria fazer para herdar a vida eterna?” Jesus, por sua vez, lhe respondeu com outra pergunta, a saber: “o que está escrito na Lei? Como interpretas?” A isto ele respondeu: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é o resumo da interpretação de toda Lei de Moises. Então Jesus elogiou a sua resposta e disse-lhe: “faça isto e você viverá!” “Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?” E foi aí então que Jesus passou a contar a conhecida PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO. Nesta parábola Jesus conta sobre “certo homem que descia de Jerusalém para Jerico, e veio a cair nas mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se deixando-o semimorto. Casualmente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o passou de lago. Semelhantemente um levita descia por aquele lugar e, vendo-o também passou de largo. Certo samaritano, que seguia pelo mesmo caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se , pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro dizendo: cuida deste homem e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar. Após contar esta parábola Jesus perguntou ao intérprete da lei: “quem te parece ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Ele respondeu com as seguintes palavras: “o que usou de misericórdia para com ele. Então disse Jesus: Vai, tu e procede de igual modo”.
Esta história contada por Jesus e escrita para audiência original de Lucas por volta do ano 60 A. D., tem impacto de instrução direita na forma como as pessoas viam e viviam essa questão fundamental do amor a Deus e aos outros em seus dias. E, está implícita e explícita no discurso, uma ordem exortativa prática primeiramente para o intérprete da Lei no judaísmo que foi quem primeiro ouviu estas palavras de Jesus, e, em seguida, para toda audiência original de Lucas formada por crentes da primitiva igreja com ainda poucos anos de existência, no sentido de que deveriam amar na prática ao próximo. E o próximo, é na verdade, aquele que está próximo precisando de ações concretas que lhe supram reais necessidades ou aquele que se faz próximo suprindo as reais necessidades dos outros.
O intérprete de lei mosaica e a igreja primitiva foram instruídos com esta passagem para que tivessem cuidado, pois uma pessoa poderia ser tão fortemente arraigada aos seus compromissos religiosos como o sacerdote e o levita descritos no texto que poderia vir a “passar de largo” em questões essenciais que necessitam de manifestação concreta de amor a Deus e ao próximo como a descrita na ilustração. A intenção original básica do texto é fazer com que o religioso entenda que religião sem amor não tem utilidade para as questões essenciais da vida. Assim, a prática do amor a Deus pode se verificada claramente e de maneira concreta na forma como aqueles primeiros ouvintes e agora nós também que recebemos o texto atendemos as necessidades de quem está perto de nós precisando de ajuda.
Há uma interpretação antiga que demonstra claramente que “o próximo” de alguém seja apenas os justos de sua comunidade, enquanto que os outros homens deveriam ser odiados por serem inimigos de Deus.  Contudo, a parábola do bom samaritano dirige a audiência original para outra compreensão e significado. Certo cantor disse em uma de suas músicas as seguintes palavras: “O mundo da linguagem sem o mundo da prática é um mundo vazio”. Em seu livro Vanderlei Gianastácio afirma o seguinte sobre o papel social da igreja:
“Provavelmente, a prática do amor, e não apenas o discurso, seja um dos maiores desafios para a igreja atual. É algo tão simples, mas tão difícil de ser percebido e praticado, porque a igreja também está inserida num contexto em que prevalecem o individualismo, o consumismo, o egoísmo etc., fatores que colaboram para desconsiderar o próximo.” (Gianastácio, 2005)

Como já escrevemos anteriormente, a prática da Palavra de Deus por parte de um verdadeiro discípulo de Cristo o tornará uma pessoa amável e frutífera, um emissário de boas obras que serão espalhadas pelo mundo trazendo efeitos sociais benéficos para os homens a sua volta. A igreja, portanto, deve olhar a sua volta com sensibilidade para servir e contribuir para a sociedade como exemplo de boas obras “para que os homens vejam as suas boas obras e glorifiquem ao nosso Pai do céu”. Também, é certo que o apóstolo Paulo ensinou aos crentes em Éfeso que Deus mesmo “preparou boas obras para que andássemos nelas”.
Tendo dito estas coisas, precisamos tomar alguns cuidados, pois alguns têm chegado a conclusões equivocadas com base neste texto por conta de uma má interpretação da parábola. Na interpretação de uma parábola nós não devemos nos prender as minúcias relatadas na história, pois ela é apenas uma ilustração colocada ao lado de uma lição moral/espiritual para trazer sentido ao que se quer afirmar na instrução. Leon Morris afirma o seguinte no seu comentário do Evangelho de Lucas neste ponto:

Em todos os séculos, algumas pessoas tem-se deleitado em ver no bom samaritano um quadro de Jesus. Sem dúvida, um estudo devocional comovente pode ser feito, centralizando-se em Jesus como bom samaritano das almas dos homens. Mas é coisa totalmente diferente ver isso como o significado que Jesus visava. Parece impossível sustentar tal coisa. (Leon L. Morris, 2000)

Sendo assim, o bom samaritano não é um bom exemplo de pessoa salva, assim como o sacerdote e o levita da parábola não são bons exemplos de pessoas religiosas. O bom samaritano é um bom exemplo de ser humano, pois fez por aquele desconhecido muito mais do que o mínimo esperado numa situação como esta. Mas ele não deixa de ser um samaritano, e, por isso, envolvido com as questões controversas histórico/religiosas entre ambos os povos. Estas coisas não podem nem devem ser esquecidas na análise do texto para sua audiência original, pois pode ser que para eles havia a expectativa de um anticlericalismo no enredo do texto aceitando-se um judeu leigo como fechamento para a história, mas Jesus surpreendeu e chocou a todos com o fato de pôr um samaritano agindo de maneira excelente no meio deles. Na verdade, o samaritano continuou sua bondade mesmo depois de ter ido embora sendo sensível numa emergência e disponibilizando tudo que fosse necessário e que lhe era possível de fazer.
E ainda é preciso ter cuidado com o entendimento do texto concernente as obras do bom samaritano, pois compreendemos com base em outras evidências bíblicas que a salvação vem dos judeus por meio do Messias esperado entre eles, e esse Messias veio, foi rejeitado pelos judeus, morto e sepultado. Tendo sido ressuscitado ao terceiro dia e foi assunto ao céu de onde voltará para buscar a sua igreja. Esse é o Evangelho da Graça que deve ser anunciado na formação de novos discípulos de Cristo. Portanto, é bom considerar com base em outras evidências textuais que a salvação de uma pessoa não é adquirida por meio da sua bondade samaritana, mas por meio da fé e essa fé deve ser demonstrada e proclamada por seus discípulos inclusive por meio de ações concretas que beneficiem a sociedade. Assim, as boas obras de uma pessoa que realmente tem fé em Cristo Jesus é que são demonstrações concretas desta fé nele. (Ef. 2.8-10) Portanto, percebe-se nitidamente que “fomos salvos para as boas obras e a sociedade em que vivemos é beneficiária natural neste aspecto!
A missão da igreja e o seu papel social, portanto, é fazer discípulos de Cristo, pois esta foi à ordem deixada por ele para os seus primeiros discípulos e, posteriormente, ensinada por eles a igreja primitiva. E isto implica na exposição publica do Evangelho da Graça em todos os lugares por onde forem com o fim de que pessoas se convertam e passem a compor a igreja sendo amadurecidos na prática da Palavra de Deus como autênticos discípulos num processo de santificação progressiva. Estes discípulos devem ser homens cheios do Espírito na prática de boas obras que contribuem naturalmente para o bem social em todos os círculos públicos em que estiverem envolvidos. Assim, os efeitos deste discipulado que ocorre na dinâmica da igreja local, são verificados primeiramente na vida do indivíduo, passando pela sua família com seu cônjuge, filhos e demais parentes, e se espalham como benefício por meio de suas boas atitudes no meio da sociedade em que estes mesmos discípulos vivem para o bem comum daqueles que estão a sua volta. Devemos, no entanto, tomar cuidado para não substituirmos a missão da igreja estabelecida por Cristo por uma missão humanista influenciada por uma visão política socialista oriunda de um mundo agora pós-moderno com a reinterpretação dos marcos antigos. Pois Jesus não foi um revolucionário e a sua igreja não é um partido político, nem mesmo uma casa de assistência social. A igreja é o corpo de discípulos de Cristo com a missão levar o Evangelho da Graça e “proclamar as virtudes daquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz”. O povo de Deus deve ser sal e luz beneficiando o mundo a sua volta com as suas muitas boas obras que glorificam ao Senhor. Contudo, embora o corpo de Cristo, a igreja, seja esse organismo vivo repleto de discípulos que vivem na prática do bem. Ele também é uma organização e deve funcionar neste tempo como uma estrutura organizada que produz o que é bom como parte de suas ações estruturais. Para uma melhor compreensão deste aspecto da igreja na sua missão e papel social vamos observar como as reais necessidades das pessoas eram tratadas e como funcionou na igreja primitiva este assunto. Para tanto observaremos a instituição dos diáconos e o cuidado com as viúvas na igreja e a sua postura social no primeiro século.

4 CUIDADO COM AS VIÚVAS E A POSTURA SOCIAL DA IGREJA

É bem verdade que na igreja primitiva esse parece ser o grupo mais carente de assistência por parte da igreja. A instituição dos diáconos em At. 6.1-7 nos mostra claramente a necessidade desse grupo que por suas queixas move os apóstolos na direção de se organizarem como igreja primitiva para que pudessem suprir as demandas crescentes da igreja do primeiro século. O texto descreve o fato que “com a multiplicação dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus porque as viúvas dos helenistas estavam sendo esquecidas na distribuição diária”. Assim os discípulos ao tomarem conhecimento da situação orientaram que “os irmãos deveriam encolhessem dentre eles mesmos sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”, os quais seriam encarregados do serviço de assistência às viúvas desassistidas.
Percebe-se que logo cedo houve a necessidade de organização por parte da igreja para poder suprir necessidades, preservar a estrutura organizacional da igreja e estabelecer pré-requisitos para a escolha dos pastores, diáconos e os assuntos relevantes a serem tratados por eles em sua assembleia eclesiástica. O apóstolo Paulo, por exemplo, escrevendo a igreja na Ásia Menor, para Timóteo, deu uma série de instruções para o bom funcionamento da igreja em seu contexto social/eclesiástico começando no primeiro capítulo de sua carta com a sã doutrina “segundo o Evangelho da glória do Deus bendito” advertindo a Timóteo que ele deveria “combater fielmente o bom combate firmado nelas, mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé”. Neste sentido, a igreja deveria cuidar do seu conteúdo doutrinário primeiramente para não ser engolida pelo mundo a sua volta, mas ser uma boa influência de caráter e boas obras como representante de Deus aqui na terra. Há no segundo capítulo orientações quanto culto que deveria ser realizado com ações de graças e orações pelos que estivessem investidos de autoridade para que os crentes tivessem “vida tranquila e mansa, com toda piedade, pois isto é bom e aceitável ao Senhor”. Isto implica no papel social de serem eles mesmos submissos às autoridades superiores. Também há um alerta importante por conta do contexto social religioso da época no mesmo capítulo quanto ao papel discreto das mulheres na igreja primitiva de modo tal que elas deveriam usar de bom senso e discrição e deveriam estar sujeitas aos seus próprios maridos como mulheres piedosas. Agora no capítulo 3 as instruções vão para os pastores e diáconos com os pré-requisitos de irrepreensibilidade para ambos. Paulo desejava visita-los em breve e essas recomendações estão sendo dadas a Timóteo com o fim de que Timóteo “fique ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo coluna e baluarte da verdade”. No capítulo 4 a instrução volta-se mais uma vez para os perigos que hereges e apóstatas no decorrer do tempo trariam para a igreja, mas Timóteo expondo a Boa Palavra, “exercitando-se pessoalmente na piedade” protegeria a si mesmo e aos fiéis contra a falsa doutrina. Assim, Timóteo tinha como obrigação “até a chegada do apóstolo, aplicar-se a leitura bíblica, a exortação e ao ensino”. Ele deveria “cuidar de si mesmo e da doutrina”, para o seu bem e para o bem dos fieis. No início do capítulo 5 há instruções diversas sobre o trato com homens, mulheres, moços e moças. E logo em seguida, trata-se de regras gerais para resolver uma nova questão entre eles: quem deveria ser “honrada como verdadeiramente viúva”? Pois com o passar do tempo vários problemas surgiram e eles precisavam de orientações. Não era qualquer viúva que receberia o apoio da igreja, porque o apóstolo Paulo mesmo estabelece “prescrições de irrepreensibilidade” para elas. Segundo Paulo “as viúvas verdadeiramente viúvas deveriam ter ao menos sessenta anos de idade, deveriam ter tido apenas um só marido, deveriam ser recomendadas pelo testemunho de boas obras, criado os filhos, exercitado hospitalidade, lavado os pés dos santos, socorrido atribulados e deveria ter vivido na prática zelosa de toda boa obra”. O texto deixa claro que aquelas que não se encaixassem neste perfil não deveriam ser socorridas pela igreja, pois a igreja não deveria ser sobrecarregada com aquelas mulheres de comportamento inadequado, mas deveria socorrer as reais necessidades das verdadeiras viúvas. O mesmo capítulo ainda trata sobre algumas regras para os presbíteros incluindo o salário, denúncias, a imposição precipitada das mãos sobre alguém e a saúde física e espiritual dos obreiros. No último capítulo, o apóstolo trata suavemente de uma questão relevante do primeiro século, que era a escravidão. Ele tratou sobre este assunto nas suas cartas aos colossenses e a Filemom. Pedro também discorreu sobre este assunto na sua primeira carta e ofereceu apenas submissão aos senhores como obediência ao Senhor. Vemos aqui, portanto, orientações claras para que os escravos fossem submissos aos seus senhores. O autor trata ainda mais uma vez da sua preocupação com os falsos mestres e conclui o livro com grande alerta para Timóteo sobre a questão da riqueza, mostrando que “o amor do dinheiro é a raiz de todos os males” e consequências disso são danosas e desastrosas para o seu povo. A exortação final do apóstolo Paulo é para os ricos do presente século: “para que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento, que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir, que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida”.

5 Conclusão

Vemos claramente diante do exposto nestas passagens do Novo Testamento que a igreja no cumprimento da sua missão de fazer discípulos do Senhor Jesus Cristo é naturalmente capaz de desenvolver um papel social de extrema relevância para o mundo a sua volta. Deste modo, entendemos que a igreja não precisa se afastar da sua missão para assumir um papel humanista, isto é, desenvolver-se e mergulhar na direção da assistência social como se esta fosse a sua grande missão. Encontramos a igreja do Novo Testamento sendo exortada para a prática da Palavra de Deus, isto implica em dizer que os discípulos de Cristo vivendo na prática da Palavra serão os braços e as mãos de Deus na prática de boas obras.  Boas obras estas que foram preparadas por Deus de antemão para que andássemos nelas. No entanto, vemos muitos colocando as boas obras como o carro chefe da igreja. Mas as coisas não foram assim desde o princípio, pois observamos na igreja neotestamentária um papel social que não se desvencilhava do seu papel de cuidar da doutrina. Inclusive, no relato da pastoral de Paulo a Timóteo, percebe-se nitidamente e insistentemente uma ênfase no cuidado da doutrina contra os falsos mestres. Deste modo, a igreja estava cuidando dos órfãos, das viúvas, dos pobres e dos escravos sem se desligar da sua responsabilidade de formar discípulos com um corpo de doutrinas fundamentais fieis aos ensinamentos dos apóstolos. Porém, isto acontecia de maneira natural como consequência lógica do preparo e formação de discípulos. Contudo, percebemos um desinteresse na igreja de hoje, um verdadeiro absurdo dos ditos discípulos de Cristo para com estas duas coisas, a saber: cuidar da doutrina na formação de discípulos, e, como discípulos amadurecidos e amadurecendo num processo de santificação progressiva, servir e amar ao próximo como resultado concreto deste amor por Deus. As consequências disso são igrejas que mais parecem barracas da fé vendendo nas suas prateleiras prosperidade, milagres e bênçãos diversas. Igrejas repletas de analfabetos bíblicos, pessoas sem conhecimento de Deus que são levadas facilmente por todo vento de doutrina e artimanha dos homens. É triste constatar que o Evangelho agora por aí propagado agora é outro de qualidade inferior que não reproduz a igreja de Cristo, mas reproduz uma anomalia que deturpa o verdadeiro sentido da fé e das boas obras.
Em resumo, devemos solidificar a nossa compreensão com o entendimento que a igreja é o corpo de Cristo e deve funcionar como um corpo onde os seus membros vivem para o bem uns dos outros e para o benefício da coletividade na sociedade. Quando uma igreja é capaz de cumprir a sua missão de produzir verdadeiros e frutíferos discípulos de Cristo, o mundo é impactado por Deus através da sua igreja que naturalmente influenciará todos os círculos da sociedade com as suas boas obras e essas boas obras servirão como pano de fundo evangelístico para a glória de Deus. A lógica da formação de discípulos implica no cuidado dos pobres e no tratamento das necessidades integrais do indivíduo que convive em sociedade. Portanto, a igreja não leva só salvação, ela leva salvação e santificação. Essa santificação produz ações concretas em benefício do ser humano e o resultado disto é visto dentro e fora da igreja. No entanto, percebe-se nitidamente em nossos dias diante deste conflito ético moral em que vivemos neste mundo, conflito este onde tudo cheira a sexo e dinheiro, que a igreja verdadeira repleta de seus muitos discípulos comprometidos com a vida do Mestre Jesus, tem a oportunidade de ter um impacto significativo para as vidas dos homens. Quanto à sexualidade as pessoas são orientadas e devem desenvolver um comportamento saudável para o bem das famílias, e, quanto ao dinheiro, libertação para o rico e para o pobre. Como disse Gianastácio: “... Se numa determinada igreja houver ajuda mútua, haverá libertação do pobre e do rico. O pobre é libertado da pobreza, e o rico, da ganância...” (Gianastácio, 2005.)

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*Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista Bereiano em Natal, Licenciado em História pela Fundação de Ensino Superior de Olinda e mestrando pelo Seminário Batista Logos (SEBARSP).

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