O MISSÃO DA IGREJA E O SEU PAPEL SOCIAL
CONSIDERAÇÕES SOBRE A MISSÃO DA IGREJA E
SEU O PAPEL SOCIAL
Almir de Souza Cruz *
Resumo
O artigo aborda a questão da missão da igreja
e seu papel social. Ele fala sobre a importância do cumprimento da missão
estabelecida por Jesus para sua igreja e as suas consequências naturais por
meio da vida comum dos discípulos e comunitária quando cada discípulo dele para
o bem da sociedade em que a igreja está inserida a sua volta.
Palavras-chave:
Discípulo. Igreja. Prática da Palavra. Próximo. Viúvas.
1 Introdução
Todos nós seres humanos e todas as
organizações que existem desempenham algum tipo papel na
nossa sociedade, seja para o bem seja para o mal. A igreja, por sua vez, é uma organização
social composta de indivíduos que devem ser transformados pela Palavra de Deus
para desempenharem seus papéis como seres sociais para o bem da coletividade na
sociedade.
De acordo com a missão dada por Jesus em (Mt.
28.18-20) a igreja é uma máquina de produzir discípulos de Cristo. Isto implica
dizer que a estratégia da igreja de Cristo é produzir verdadeiros e frutíferos
discípulos dele, os quais devem ser homens maduros e santos, pais de família
exemplares e bons cidadãos honrados em todos os aspectos como manifestação do
fruto do Espírito em suas vidas para o bem comum. E é neste sentido, que a
igreja local tem um papel de extrema relevância para a sociedade, ao produzir
homens e mulheres, famílias como um todo, dotadas de boas ações e que vivem como
exemplo para o bem de todos a sua volta.
Há nas Escrituras Sagradas varias passagens
que nos mostram esse papel da igreja. Nós encontramos orientações diversas nas
passagens das Escrituras sobre a comunhão de uns com os outros, a prática do
bem, a mútua cooperação, o auxílio aos pobres, o auxílio às viúvas, aos órfãos
e assim por diante. Eu gostaria de destacar neste momento apenas algumas
passagens bíblicas que reforçam a ideia que a igreja tem um papel social relevante
como resultado concreto de sua missão de fazer discípulos ao redor do mundo até
a volta de Jesus para estabelecer o seu reino de justiça e paz.
2. A PRÁTICA DA
PALAVRA DE DEUS
A primeira passagem que merece destaque está em
Tiago 1.16-27. Neste texto o irmão do Senhor Jesus Cristo e coluna da igreja
primitiva ensina a sua audiência original a respeito da prática
da Palavra de Deus. Pratica esta, segundo ele desenvolve no contexto posterior
do nosso texto, deve ser encontrada naturalmente nas vidas daqueles que tem fé
como uma demonstração concreta desta
fé. A afirmação de que Deus é a origem primária de tudo que é
bom no verso 17 do capítulo é relevante para a compreensão de todo
o texto, pois a prática da Palavra é uma demonstração significativa do
envolvimento íntimo do discípulo com o seu “Bom
Mestre” Desta maneira, “toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do
alto, descendo do Pai das Luzes...”
Segundo o autor afirma no texto “todo
homem deve ser pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar
porque a ira do homem não produz a justiça de Deus”. Torna-se
importante frisar que o autor está instruindo e advertindo a sua audiência
original no sentido de que cada um deles deveria “despojar, isto é, tirar definitivamente
de suas vidas a impureza e o acumulo de maldade”. Na verdade, isto implica
em santificação progressiva porque por meio do acolhimento da Palavra de Deus “implantada
em vós”, o poder da salvação operada por Deus é verificado
concretamente na vida do discípulo dele. Por isso, a grande exortação do autor
no texto para sua audiência original é para que sejam “praticantes da palavra e não
somente ouvintes.” Podemos perceber nas palavras do autor que é
possível que alguns de seus leitores estivessem enganando a si próprios não
praticando a Palavra de Deus. Ser um discípulo e não praticar a Palavra,
segundo ele, seria o mesmo que se olhar num espelho perceber alguma parte do
rosto ou do corpo necessitando de cuidados e não tomar quaisquer providências.
Assim, uma pessoa que olha a Palavra e não pratica, isto é, não muda os atos pecaminosos
pelos ensinos bondosos do nosso Deus estaria “enganando a sim mesma”. De
modo que é um absurdo, uma verdadeira aberração que alguém diga que tenha fé e
não seja transformado pelo Senhor por meio da prática da sua bondosa Palavra. O autor conclui o parágrafo argumentando que “aquele
que considera a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera não sendo
ouvinte negligente, mas operoso praticante da Palavra de Deus esse será feliz
em suas realizações”. O autor conclui o seu raciocínio apresentando uma
questão relevante para a temática do papel social da igreja. Segundo ele, “se
alguém supõe ser religioso deixando de refrear a sua língua, antes enganando o
próprio coração, a sua religião é vã”. Assim, algo entre os seus
leitores na igreja primitiva o faz afirmar que “a religião PURA E SEM MÁCULA
para com o nosso Deus é esta: socorrer aos órfãos e as viúvas nas suas
tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo”. Podemos
concluir, portanto, que alguns dos mais graves problemas sociais dos seus dias
encontram-se destacados no texto, a saber: o
mau uso da língua de uns para com os outros; a falta de assistência aos mais
vulneráveis na sociedade, aqui no caso da igreja primitiva, órfãos e viúvas em
suas tribulações e a contaminação para com as cosias más deste mundo cheio de
maldades.
Ainda como somatório deste argumento no final
da epístola de Tiago, no capítulo 5.1-6, a própria escatologia toma um sentido
explicito social quando o autor afirma exortando que o castigo futuro dos ricos
ímpios virá como consequência natural do mal praticado por eles contra os
pobres que não ofereciam resistência alguma. O que estava acontecendo era que trabalhadores
estavam clamando ao Senhor e estavam sendo ouvidos por ele após terem sido
roubados pelos ricos daquele presente século que “viviam regaladamente em seus
prazeres tendo condenado e matados justos sem que eles oferecessem
resistência”. Os ricos, como bem frisou o autor, “estavam engordando os seus
corações em dia de matança”.
Tendo dito isto, podemos enfim afirmar que o
resultado concreto oriundo da vida de um discípulo de Cristo, isto é, da vida
de alguém que realmente prática da palavra do BOM DEUS é o bem que beneficia as
vidas daqueles que vivem vidas comuns em sociedade. Deste modo entendemos que Deus
espalha a sua bondade através dos verdadeiros e frutíferos discípulos de Cristo
que o glorificam agora com seus atos generosos e justos em prol dos outros
seres humanos. Percebemos que esse é o papel social da igreja, os crentes
primeiramente praticam a Palavra de Deus e obtêm resultados específicos em suas
vidas morais particulares, esses resultados individuais impactarão suas
famílias e a sociedade de uma forma geral. E assim a bondade de Deus é
partilhada socialmente por meio dos seus filhos, pois os seus filhos por amor a
Ele amam e ajudam o próximo.
3 QUEM É O MEU PRÓXIMO?
Essa pergunta nos leva a segunda passagem que
gostaríamos de destacar e que reforça a ideia da missão da igreja e o seu papel
social. Ela ficou famosa com o título “A parábola do bom samaritano” e
encontra-se no evangelho de Lucas. 10.25-37. Nela, há um diálogo curioso entre Jesus
e certo intérprete da lei em Israel cuja intenção básica era “por Jesus em
provas”. Naquela ocasião ele interrogou Jesus sobre “o que deveria fazer para
herdar a vida eterna?” Jesus, por sua vez, lhe respondeu com outra pergunta, a
saber: “o que está escrito na Lei? Como interpretas?” A isto ele respondeu:
amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é o resumo da
interpretação de toda Lei de Moises. Então Jesus elogiou a sua resposta e
disse-lhe: “faça isto e você viverá!” “Ele, porém, querendo justificar-se,
perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?” E foi aí então que Jesus passou a
contar a conhecida PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO. Nesta parábola Jesus conta sobre
“certo
homem que descia de Jerusalém para Jerico, e veio a cair nas mãos de
salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos
ferimentos, retiraram-se deixando-o semimorto. Casualmente descia um sacerdote
por aquele mesmo caminho e, vendo-o passou de lago. Semelhantemente um levita
descia por aquele lugar e, vendo-o também passou de largo. Certo samaritano,
que seguia pelo mesmo caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele.
E, chegando-se , pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e,
colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou
dele. No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro dizendo:
cuida deste homem e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando
voltar. Após contar esta parábola Jesus perguntou ao intérprete da lei:
“quem
te parece ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Ele
respondeu com as seguintes palavras: “o que usou de misericórdia para com ele.
Então disse Jesus: Vai, tu e procede de igual modo”.
Esta história contada por Jesus e escrita
para audiência original de Lucas por volta do ano 60 A. D., tem impacto de
instrução direita na forma como as pessoas viam e viviam essa questão
fundamental do amor a Deus e aos outros em seus dias. E, está implícita e
explícita no discurso, uma ordem exortativa prática primeiramente para o
intérprete da Lei no judaísmo que foi quem primeiro ouviu estas palavras de
Jesus, e, em seguida, para toda audiência original de Lucas formada por crentes
da primitiva igreja com ainda poucos anos de existência, no sentido de que
deveriam amar na prática ao próximo. E o próximo, é na verdade, aquele que está
próximo precisando de ações concretas que lhe supram reais necessidades ou
aquele que se faz próximo suprindo as reais necessidades dos outros.
O intérprete de lei mosaica e a igreja
primitiva foram instruídos com esta passagem para que tivessem cuidado, pois
uma pessoa poderia ser tão fortemente arraigada aos seus compromissos
religiosos como o sacerdote e o levita descritos no texto que poderia vir a
“passar de largo” em questões essenciais que necessitam de manifestação
concreta de amor a Deus e ao próximo como a descrita na ilustração. A intenção
original básica do texto é fazer com que o religioso entenda que religião sem
amor não tem utilidade para as questões essenciais da vida. Assim, a prática do
amor a Deus pode se verificada claramente e de maneira concreta na forma como aqueles
primeiros ouvintes e agora nós também que recebemos o texto atendemos as
necessidades de quem está perto de nós precisando de ajuda.
Há uma interpretação antiga que
demonstra claramente que “o próximo” de alguém seja apenas os justos de sua
comunidade, enquanto que os outros homens deveriam ser odiados por serem
inimigos de Deus. Contudo, a parábola do bom samaritano dirige a
audiência original para outra compreensão e significado. Certo cantor disse em
uma de suas músicas as seguintes palavras: “O
mundo da linguagem sem o mundo da prática é um mundo vazio”. Em seu livro
Vanderlei Gianastácio afirma o seguinte sobre o papel social da igreja:
“Provavelmente, a prática do amor, e não apenas o
discurso, seja um dos maiores desafios para a igreja atual. É algo tão simples,
mas tão difícil de ser percebido e praticado, porque a igreja também está
inserida num contexto em que prevalecem o individualismo, o consumismo, o
egoísmo etc., fatores que colaboram para desconsiderar o próximo.” (Gianastácio,
2005)
Como já escrevemos anteriormente, a prática da Palavra de
Deus por parte de um verdadeiro discípulo de Cristo o tornará uma pessoa amável
e frutífera, um emissário de boas obras que serão espalhadas pelo mundo
trazendo efeitos sociais benéficos para os homens a sua volta. A igreja,
portanto, deve olhar a sua volta com sensibilidade para servir e contribuir
para a sociedade como exemplo de boas obras “para que os homens vejam as suas
boas obras e glorifiquem ao nosso Pai do céu”. Também, é certo que o
apóstolo Paulo ensinou aos crentes em Éfeso que Deus mesmo “preparou boas obras para que
andássemos nelas”.
Tendo dito estas coisas, precisamos tomar
alguns cuidados, pois alguns têm chegado a conclusões equivocadas com base
neste texto por conta de uma má interpretação da parábola. Na interpretação de
uma parábola nós não devemos nos prender as minúcias relatadas na história,
pois ela é apenas uma ilustração colocada ao lado de uma lição moral/espiritual
para trazer sentido ao que se quer afirmar na instrução. Leon Morris afirma o
seguinte no seu comentário do Evangelho de Lucas neste ponto:
Em todos os séculos, algumas pessoas tem-se deleitado em
ver no bom samaritano um quadro de Jesus. Sem dúvida, um estudo devocional
comovente pode ser feito, centralizando-se em Jesus como bom samaritano das
almas dos homens. Mas é coisa totalmente diferente ver isso como o significado
que Jesus visava. Parece impossível sustentar tal coisa. (Leon L. Morris, 2000)
Sendo assim, o bom samaritano não é um bom exemplo de
pessoa salva, assim como o sacerdote e o levita da parábola não são bons
exemplos de pessoas religiosas. O bom samaritano é um bom exemplo de ser
humano, pois fez por aquele desconhecido muito mais do que o mínimo esperado
numa situação como esta. Mas ele não deixa de ser um samaritano, e, por isso,
envolvido com as questões controversas histórico/religiosas entre ambos os
povos. Estas coisas não podem nem devem ser esquecidas na análise do texto para
sua audiência original, pois pode ser que para eles havia a expectativa de um
anticlericalismo no enredo do texto aceitando-se um judeu leigo como fechamento
para a história, mas Jesus surpreendeu e chocou a todos com o fato de pôr um
samaritano agindo de maneira excelente no meio deles. Na verdade, o samaritano
continuou sua bondade mesmo depois de ter ido embora sendo sensível numa
emergência e disponibilizando tudo que fosse necessário e que lhe era possível
de fazer.
E ainda é preciso ter cuidado com o
entendimento do texto concernente as obras do bom samaritano, pois compreendemos
com base em outras evidências bíblicas que a salvação vem dos judeus por meio
do Messias esperado entre eles, e esse Messias veio, foi rejeitado pelos
judeus, morto e sepultado. Tendo sido ressuscitado ao terceiro dia e foi
assunto ao céu de onde voltará para buscar a sua igreja. Esse é o Evangelho da
Graça que deve ser anunciado na formação de novos discípulos de Cristo.
Portanto, é bom considerar com base em outras evidências textuais que a
salvação de uma pessoa não é adquirida por meio da sua bondade samaritana, mas
por meio da fé e essa fé deve ser demonstrada e proclamada por seus discípulos
inclusive por meio de ações concretas que beneficiem a sociedade. Assim, as boas
obras de uma pessoa que realmente tem fé em Cristo Jesus é que são demonstrações
concretas desta fé nele. (Ef. 2.8-10) Portanto, percebe-se nitidamente que “fomos
salvos para as boas obras e a sociedade em que vivemos é beneficiária natural
neste aspecto!
A missão da igreja e o seu papel social,
portanto, é fazer discípulos de Cristo, pois esta foi à ordem deixada por ele
para os seus primeiros discípulos e, posteriormente, ensinada por eles a igreja
primitiva. E isto implica na exposição publica do Evangelho da Graça em todos
os lugares por onde forem com o fim de que pessoas se convertam e passem a
compor a igreja sendo amadurecidos na prática da Palavra de Deus como
autênticos discípulos num processo de santificação progressiva. Estes
discípulos devem ser homens cheios do Espírito na prática de boas obras que
contribuem naturalmente para o bem social em todos os círculos públicos em que
estiverem envolvidos. Assim, os efeitos deste discipulado que ocorre na
dinâmica da igreja local, são verificados primeiramente na vida do indivíduo, passando
pela sua família com seu cônjuge, filhos e demais parentes, e se espalham como
benefício por meio de suas boas atitudes no meio da sociedade em que estes mesmos
discípulos vivem para o bem comum daqueles que estão a sua volta. Devemos, no
entanto, tomar cuidado para não substituirmos a missão da igreja estabelecida
por Cristo por uma missão humanista influenciada por uma visão política
socialista oriunda de um mundo agora pós-moderno com a reinterpretação dos
marcos antigos. Pois Jesus não foi um revolucionário e a sua igreja não é um
partido político, nem mesmo uma casa de assistência social. A igreja é o corpo
de discípulos de Cristo com a missão levar o Evangelho da Graça e “proclamar as
virtudes daquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz”. O povo de
Deus deve ser sal e luz beneficiando o mundo a sua volta com as suas muitas
boas obras que glorificam ao Senhor. Contudo, embora o corpo de Cristo, a
igreja, seja esse organismo vivo repleto de discípulos que vivem na prática do
bem. Ele também é uma organização e deve funcionar neste tempo como uma
estrutura organizada que produz o que é bom como parte de suas ações
estruturais. Para uma melhor compreensão deste aspecto da igreja na sua missão
e papel social vamos observar como as reais necessidades das pessoas eram
tratadas e como funcionou na igreja primitiva este assunto. Para tanto
observaremos a instituição dos diáconos e o cuidado com as viúvas na igreja e a
sua postura social no primeiro século.
4 CUIDADO COM AS
VIÚVAS E A POSTURA SOCIAL DA IGREJA
É bem verdade que na igreja primitiva esse
parece ser o grupo mais carente de assistência por parte da igreja. A instituição dos diáconos em At.
6.1-7 nos mostra claramente a necessidade desse grupo que por suas queixas move
os apóstolos na direção de se organizarem como igreja primitiva para que
pudessem suprir as demandas crescentes da igreja do primeiro século. O texto descreve
o fato que “com a multiplicação dos discípulos, houve murmuração dos helenistas
contra os hebreus porque as viúvas dos helenistas estavam sendo esquecidas na
distribuição diária”. Assim os
discípulos ao tomarem conhecimento da situação orientaram que “os
irmãos deveriam encolhessem dentre eles mesmos sete homens de boa reputação,
cheios do Espírito e de sabedoria”, os quais seriam encarregados do
serviço de assistência às viúvas desassistidas.
Percebe-se que logo cedo houve a necessidade
de organização por parte da igreja para poder suprir necessidades, preservar a
estrutura organizacional da igreja e estabelecer pré-requisitos para a escolha
dos pastores, diáconos e os assuntos relevantes a serem tratados por eles em
sua assembleia eclesiástica. O apóstolo Paulo, por exemplo, escrevendo a igreja
na Ásia Menor, para Timóteo, deu uma série de instruções para o bom funcionamento
da igreja em seu contexto social/eclesiástico começando no primeiro capítulo de
sua carta com a sã doutrina “segundo o Evangelho da glória do Deus
bendito” advertindo a Timóteo que ele deveria “combater fielmente o bom combate
firmado nelas, mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado
a boa consciência, vieram a naufragar na fé”. Neste sentido, a igreja
deveria cuidar do seu conteúdo doutrinário primeiramente para não ser engolida
pelo mundo a sua volta, mas ser uma boa influência de caráter e boas obras como
representante de Deus aqui na terra. Há no segundo capítulo orientações quanto
culto que deveria ser realizado com ações de graças e orações pelos que
estivessem investidos de autoridade para que os crentes tivessem “vida
tranquila e mansa, com toda piedade, pois isto é bom e aceitável ao Senhor”.
Isto implica no papel social de serem eles mesmos submissos às autoridades
superiores. Também há um alerta importante por conta do contexto social
religioso da época no mesmo capítulo quanto ao papel discreto das mulheres na
igreja primitiva de modo tal que elas deveriam usar de bom senso e discrição e
deveriam estar sujeitas aos seus próprios maridos como mulheres piedosas. Agora
no capítulo 3 as instruções vão para os pastores e diáconos com os pré-requisitos
de irrepreensibilidade para ambos. Paulo desejava visita-los em breve e
essas recomendações estão sendo dadas a Timóteo com o fim de que Timóteo “fique
ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo
coluna e baluarte da verdade”. No
capítulo 4 a instrução volta-se mais uma vez para os perigos que hereges e
apóstatas no decorrer do tempo trariam para a igreja, mas Timóteo expondo a Boa
Palavra, “exercitando-se pessoalmente na piedade” protegeria a si mesmo
e aos fiéis contra a falsa doutrina. Assim, Timóteo tinha como obrigação “até a
chegada do apóstolo, aplicar-se a leitura bíblica, a exortação e ao ensino”. Ele
deveria “cuidar de si mesmo e da doutrina”, para o seu bem e para o bem dos
fieis. No início do capítulo 5 há instruções diversas sobre o trato com homens,
mulheres, moços e moças. E logo em seguida, trata-se de regras gerais para
resolver uma nova questão entre eles: quem deveria ser “honrada como verdadeiramente
viúva”? Pois com o passar do tempo vários problemas surgiram e eles
precisavam de orientações. Não era qualquer viúva que receberia o apoio da
igreja, porque o apóstolo Paulo mesmo estabelece “prescrições de irrepreensibilidade” para elas. Segundo Paulo “as viúvas verdadeiramente viúvas deveriam
ter ao menos sessenta anos de idade, deveriam ter tido apenas um só marido,
deveriam ser recomendadas pelo testemunho de boas obras, criado os filhos,
exercitado hospitalidade, lavado os pés dos santos, socorrido atribulados e
deveria ter vivido na prática zelosa de toda boa obra”. O texto deixa claro
que aquelas que não se encaixassem neste perfil não deveriam ser socorridas
pela igreja, pois a igreja não deveria ser sobrecarregada com aquelas mulheres
de comportamento inadequado, mas deveria socorrer as reais necessidades das
verdadeiras viúvas. O mesmo capítulo ainda trata sobre algumas regras para os
presbíteros incluindo o salário, denúncias, a imposição precipitada das mãos
sobre alguém e a saúde física e espiritual dos obreiros. No último capítulo, o
apóstolo trata suavemente de uma questão relevante do primeiro século, que era
a escravidão. Ele tratou sobre este assunto nas suas cartas aos colossenses e a
Filemom. Pedro também discorreu sobre este assunto na sua primeira carta e
ofereceu apenas submissão aos senhores como obediência ao Senhor. Vemos aqui,
portanto, orientações claras para que os escravos fossem submissos
aos seus senhores. O autor trata ainda mais uma vez da sua preocupação
com os falsos mestres e conclui o livro com grande alerta para Timóteo sobre a
questão da riqueza, mostrando que “o amor do dinheiro é a raiz de todos os
males” e consequências disso são danosas e desastrosas para o seu povo.
A exortação final do apóstolo Paulo é para os ricos do presente século: “para
que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da
riqueza, mas em Deus que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento,
que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a
repartir, que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o
futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida”.
5 Conclusão
Vemos claramente diante do exposto nestas passagens
do Novo Testamento que a igreja no cumprimento da sua missão de fazer
discípulos do Senhor Jesus Cristo é naturalmente capaz de desenvolver um papel
social de extrema relevância para o mundo a sua volta. Deste modo, entendemos
que a igreja não precisa se afastar da sua missão para assumir um papel
humanista, isto é, desenvolver-se e mergulhar na direção da assistência social
como se esta fosse a sua grande missão. Encontramos a igreja do Novo Testamento
sendo exortada para a prática da Palavra de Deus, isto implica em dizer que os
discípulos de Cristo vivendo na prática da Palavra serão os braços e as mãos de
Deus na prática de boas obras. Boas
obras estas que foram preparadas por Deus de antemão para que andássemos nelas.
No entanto, vemos muitos colocando as boas obras como o carro chefe da igreja.
Mas as coisas não foram assim desde o princípio, pois observamos na igreja
neotestamentária um papel social que não se desvencilhava do seu papel de
cuidar da doutrina. Inclusive, no relato da pastoral de Paulo a Timóteo,
percebe-se nitidamente e insistentemente uma ênfase no cuidado da doutrina
contra os falsos mestres. Deste modo, a igreja estava cuidando dos órfãos, das
viúvas, dos pobres e dos escravos sem se desligar da sua responsabilidade de
formar discípulos com um corpo de doutrinas fundamentais fieis aos ensinamentos
dos apóstolos. Porém, isto acontecia de maneira natural como consequência
lógica do preparo e formação de discípulos. Contudo, percebemos um desinteresse
na igreja de hoje, um verdadeiro absurdo dos ditos discípulos de Cristo para
com estas duas coisas, a saber: cuidar da doutrina na formação de discípulos,
e, como discípulos amadurecidos e amadurecendo num processo de santificação
progressiva, servir e amar ao próximo como resultado concreto deste amor por
Deus. As consequências disso são igrejas que mais parecem barracas da fé
vendendo nas suas prateleiras prosperidade, milagres e bênçãos diversas.
Igrejas repletas de analfabetos bíblicos, pessoas sem conhecimento de Deus que
são levadas facilmente por todo vento de doutrina e artimanha dos homens. É triste
constatar que o Evangelho agora por aí propagado agora é outro de qualidade
inferior que não reproduz a igreja de Cristo, mas reproduz uma anomalia que
deturpa o verdadeiro sentido da fé e das boas obras.
Em resumo, devemos solidificar a nossa
compreensão com o entendimento que a igreja é o corpo de Cristo e deve
funcionar como um corpo onde os seus membros vivem para o bem uns dos outros e
para o benefício da coletividade na sociedade. Quando uma igreja é capaz de
cumprir a sua missão de produzir verdadeiros e frutíferos discípulos de Cristo,
o mundo é impactado por Deus através da sua igreja que naturalmente
influenciará todos os círculos da sociedade com as suas boas obras e essas boas
obras servirão como pano de fundo evangelístico para a glória de Deus. A lógica
da formação de discípulos implica no cuidado dos pobres e no tratamento das
necessidades integrais do indivíduo que convive em sociedade. Portanto, a
igreja não leva só salvação, ela leva salvação e santificação. Essa
santificação produz ações concretas em benefício do ser humano e o resultado
disto é visto dentro e fora da igreja. No entanto, percebe-se nitidamente em
nossos dias diante deste conflito ético moral em que vivemos neste mundo,
conflito este onde tudo cheira a sexo e dinheiro, que a igreja verdadeira repleta
de seus muitos discípulos comprometidos com a vida do Mestre Jesus, tem a oportunidade
de ter um impacto significativo para as vidas dos homens. Quanto à sexualidade
as pessoas são orientadas e devem desenvolver um comportamento saudável para o
bem das famílias, e, quanto ao dinheiro, libertação para o rico e para o pobre.
Como disse Gianastácio: “... Se numa determinada igreja houver ajuda
mútua, haverá libertação do pobre e do rico. O pobre é libertado da pobreza, e
o rico, da ganância...” (Gianastácio, 2005.)
________________
*Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista Bereiano em Natal, Licenciado em História pela Fundação de Ensino Superior de Olinda e mestrando pelo Seminário Batista Logos (SEBARSP).
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Bíblia Anotada Editora Mundo Cristão, 1991, p. 1408-1455.
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