29 de julho de 2011

Entre desertos e palácios

É preciso concordar com Paulo quando diz que tudo podemos no Senhor.
Ao longo de minha caminhada cristã, não foram poucas as vezes em que me encontrei cercado por circunstâncias adversas. Em diversas ocasiões, carreguei dentro de mim um sentimento de que não conseguiria sair de uma determinada situação. Se não bastassem os problemas externos que me afligiam, meu ânimo se encontrava debilitado e sentimentos contraditórios me deixavam ainda mais confuso. Para completar o cenário caótico, em alguns destes momentos, um outro elemento intensificava ainda mais a crise: a sensação de que Deus não estava ouvindo minhas palavras ou olhando por mim.
Apesar de ouvirmos muito pouco acerca da realidade destes momentos, ao longo da jornada de um cristão eles existem de fato.  Descrevendo sua angústia em uma destas fases de sua caminhada cristã, João da Cruz chega a definir tal momento como sua “noite escura da alma”. Eu, particularmente, tenho optado por nomeá-lo simplesmente como deserto. O deserto, como espaço geográfico, é um lugar árido e de visual caracterizado pela desolação. Sua imagem transmite a todos a idéia de ausência de vida e iminência de morte. No entanto, é interessante notar que na espiritualidade bíblica o deserto não representa um lugar de perdição e destruição. Muito pelo contrário – nas páginas das Escrituras ele é retratado inúmeras vezes como um lugar onde pessoas são surpreendidas pela presença de Deus e por seu cuidado gracioso para com suas vidas.
Neste sentido, o deserto pode se visto como um lugar para onde muita gente se desloca por força das circunstâncias, como aconteceu com Davi, ou voluntariamente, a fim de buscar a presença de Deus, como aconteceu com Jesus. Mas o deserto pode também ser momento existencial caracterizado pelas adversidades, decepções, enfermidades, crises e perdas; um tempo que não gostaríamos de atravessar, mas que, no futuro, nos dará plena consciência de sua importância na construção de nossas vidas. Há pessoas que acreditam que este tempo de deserto pode ser altamente perigoso para sua caminhada com Deus. Elas temem que, diante das pressões externas e lutas espirituais, possam vir a desanimar ou mesmo a se decepcionar com o Senhor, abandonando até mesmo a caminhada.
No entanto, as histórias bíblicas nos mostram o contrário. No deserto, servos do Senhor são lapidadas e ganham maior consciência do amor de Deus por suas vidas e de sua vocação na história. É ali que, ao invés de se perderem, foram encontrados pelo Pai. Na verdade, existe um espaço muito mais perigoso e nocivo para a genuína espiritualidade do que o deserto. É o que podemos chamar de palácio: o lugar onde experimentamos o poder e a fartura. No palácio, temos a sensação de que tudo está sob nosso controle. No palácio, nem mesmo precisamos de Deus, pois o pão nosso de cada dia está garantido pelas nossas próprias conquistas.
Por isso mesmo, as histórias bíblicas e as biografias de homens e mulheres do passado nos revelam que, em sua grande maioria, o espaço em que pessoas mais frequentemente se perdem não é o deserto, mas o palácio. É quando vivem no palácio que abaixam a guarda, passam a confiar demais em si mesmas e se veem cercadas de oportunidades que não tinham antes. É no contexto do palácio que o dinheiro, o sexo e o poder se mostram mais sedutores, levando o ser humano à ruína.
Creio que somos convidados a desenvolver nossa espiritualidade ao longo de uma caminhada que envolve tempos de desertos e tempos de palácios. Nos desertos, precisamos encontrar o caminho da confiança no caráter de Deus e da submissão aos seus caminhos, principalmente quando eles não se revelam como os nossos caminhos. Mas, nos palácios, precisamos exercitar a humildade de coração e a dependência do Senhor, reconhecendo que tudo o que temos e somos veio de suas mãos – e que as bênçãos não nos são privilégios, mas sim, responsabildade. Isso porque ambos – tantos os palácios como os desertos – segredam armadilhas próprias. Enquanto desertos são lugares onde a amargura e a desconfiança nos assaltam, nos palácios somos constantemente envolvidos pela tentação de assumirmos o controle de nossas próprias vidas.
É tendo em mente a consciência de que nossa espiritualidade é construída através de desertos e palácios que podemos compreender as palavras de Paulo em Filipenses 4.10-13: “Alegro-me grandemente no Senhor (...) pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece”. Aprender a cruzar desertos e a viver em palácios é uma tarefa árdua que requer uma vida inteira de muita oração e dependência de Deus. No entanto, é preciso concordar plenamente com o apóstolo quando diz que tudo podemos no Senhor. Só isso pode explicar o fato de que, apesar dos desertos e palácios, ainda estamos firmes – e, apesar de nossos tombos e deslizes, ainda continuamos no caminho.
                                                                                                                           Ricardo Agreste

As chaves de Deus

Por Dallas Willard

Todo pastor, mais cedo ou mais tarde, enfrenta as demandas contraditórias de ser um profissional e estar no ministério. Isso porque essas duas realidades podem entrar em conflito. Um profissional tem uma agenda a cumprir, credenciais para manter, uma escada profissional a percorrer. Detalhes inadiáveis se sobrepõem à solitude; o tempo necessário à relação com Deus pode ser subtraído por urgências administrativas. A rotina de serviço dá lugar a uma postura de gestor. Assim, uma vida de simplicidade e cuidado de almas é colocada de lado pela ambição e expectativa.
Assim como médicos, advogados e outros profissionais hoje em dia, pastores sentem que suas condições de trabalho estão em conflito com o seu chamado. O crescimento dessa frustração causa a perda da paz e da alegria.  Mas, as coisas não precisam ser assim. O próprio Jesus, bem como tantos de seus seguidores ao longo dos tempos, encontraram sua força no servir. O único Deus a quem servimos colocou em nossas mãos as chaves para o Reino, conforme Mateus 16.19. Apesar dos séculos de controvérsias eclesiásticas sobre o significado desta passagem, precisamos entender simplesmente que a nossa confiança em Jesus como o único a quem “foi dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Mateus 28.18) nos permite ter acesso às riquezas de seu Reino. Isto nos torna possível realizar nosso trabalho e viver nossas vidas na força, alegria e paz de Cristo.
Possuir as chaves significa primeiramente “aproveitar o acesso”. Imagine um homem que mantém cuidadosamente suas portas fechadas e suas chaves em mãos, mas que nunca entrou em sua casa! Ter acesso ao Reino e viver nele é o que importa. Numa tradução livre, outra célebre passagem do evangelho de Mateus pode ser entendida assim: “Busque mais do que tudo, agir conforme o Reino de Deus e possuir seu tipo de bondade, e todas as outras coisas que você necessitar lhe serão acrescentadas”. Paulo lembrou aos romanos: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”.
Mas se a abundância está aqui, suficiente para derrotar as “portas do inferno”, porque não nos aproveitamos dela? Precisamos de uma chave para as chaves. A abundância de Deus não é recebida passivamente e não nos é outorgada por acaso. A abundância de Deus é reivindicada e colocada em ação por nossa busca inteligente e ação. Precisamos agir em conjunto ao mover da vida do Reino de Deus que vem através do nosso relacionamento com Jesus.
Não podemos fazer isso, é claro, simplesmente sozinhos. Mas precisamos agir. Graça contrasta-se com merecimento, mas não com esforço. Um esforço decisivo, sustentado e bem dirigido é o caminho de acesso às chaves do Reino e a uma vida de força e paz no ministério.

25 de julho de 2011

RECUSOU O OURO, MAS ACEITOU O ENGANO!

Os livros de Reis (1º e 2º) nos contam a história do declínio do povo de Deus: do auge da bênção, com Salomão, ao fundo do poço, no exílio. Também dá a explicação para isso: a desobediência aos mandamentos de Deus e à Palavra dos profetas. O capítulo 13 do 1º livro de Reis nos declara estas verdades de modo ilustrado na vida de três personagens: o rei Jeroboão e dois profetas, cujos nomes não são mencionados.                                                                                                                                           Um dos profetas, intitulado “homem de Deus”, é enviado por Deus à Betel. Cidade do Reino de Israel, onde Jeroboão havia construído um santuário, e estava desviando o povo para a idolatria, adorando um bezerro de ouro. Este profeta demonstra ter muita coragem. Acata a ordem de Deus e se dirige a um reino que naquele momento era inimigo do seu país. Ele proclama a mensagem contra o altar idólatra no exato momento que o rei, diante de todo o povo, está oferecendo incenso nele.                                                                                                                       Sua confiança em Deus também é notável. Pois anuncia um sinal, a rachadura do altar, que caso não ocorresse, traria a sua morte. Ele enfrenta um rei que está mais preocupado com seu bem estar do que com a obediência a Deus. A primeira reação do rei é de oposição e ameaça, a segunda é de pedir sua cura, nenhuma de arrependimento.                                                                                                                                                                  Mesmo assim o profeta demonstra ser alguém mais preocupado com a glória de Deus, do que com sua honra. Ele intercede pelo rei que havia ordenado a sua prisão. Ele sabe que era mais um milagre ocorrendo para vindicar a Palavra de Deus, e que poderia levar aquele povo ao arrependimento. Orar pelo bem de quem nos persegue é uma demonstração de obediência e confiança em Deus, e aquele profeta fez isso.                                                                                                                                          O profeta manifesta uma forte firmeza. Ele recusa o convite do rei para ir ao palácio, onde poderia ter uma refeição fortalecedora e ainda ganhar uma recompensa. Ele mantém seu compromisso e devoção a Deus, ainda que isso demande um sacrifício de ficar sem alimentação e suprimento de água. Sua necessidade está em segundo plano. Diferente de Jeroboão, pois testemunha que a glória de Deus está acima de seu bem-estar.                                                                                                                                                                       Só que esta história não tem um final feliz. Outro profeta surge na cena. Este morava no reino do norte, mas parece que não pregava contra a idolatria. Seus filhos estavam envolvidos no falso culto. Quando escuta sobre o homem de Deus e sua profecia, ele engendra uma falsa profecia. Não sabemos suas razões. Poderia ser o sincero desejo de manter comunhão com alguém que de fato conhecia a Deus, de saber mais sobre o propósito de Deus, ou o desejo de ganhar alguns pontos diante do rei, por levar o profeta de Deus até sua casa. O fato é que ele mentiu.                                                                                                                                                   O ouro não corrompeu o homem de Deus, mas a falsa profecia o enganou o matou. Ele vacilou na vigilância. Como profeta de Deus poderia ter consultado a Deus sobre aquela nova mensagem. Ainda poderia ter solicitado alguma evidência da veracidade da profecia. Mas não faz nada disso. Acreditou que o outro profeta estava falando a verdade. Esta falta de vigilância lhe custou à vida.
Deus não muda a Sua palavra. A palavra dada ao profeta era para não comer nem beber em Israel, e não voltar pelo mesmo caminho, demonstrando que Deus estava rejeitando aquela nação. Por não seguir esta palavra, o profeta foi morto. Deus estava dizendo àquele povo: no passado Eu já anunciei que vocês deveriam adorar apenas a mim, e não fazer ídolos; e agora este novo rei fez ídolos e vocês estão adorando, pensando que isso veio de mim. Mas estão sendo enganados, e vou puni-los por se deixarem levar por esta falsidade.
A quem muito é dado, muito será cobrado. O profeta de Deus, apesar de sua grande devoção e obediência, porque caiu no engano, foi castigado. Deus estava avisando o povo, que privilégios demandam responsabilidades. Quantos privilégios Deus nos tem dado! A oportunidade de conhecer Sua Palavra, de conviver com pessoas que temem e buscam a Deus, o perdão dos nossos pecados, oportunidades para arrependimento, etc. Devemos tomar cuidado para não sermos enganados por falsas vozes.
Mais um milagre ocorre na história: o leão mata o profeta, mas não o devora, o jumento vê o leão e não corre. O corpo do profeta fica entre o jumento e o leão. Animais obedecem às ordens de Deus, os homens não. Nota-se pouco arrependimento nesta história, apesar das ameaças de Deus, de demonstrações sobrenaturais de Seu poder, e de como Ele faz cumprir a Sua Palavra, apenas o profeta velho acredita na Palavra de Deus. Aparentemente ele se arrependeu, e pediu para ser sepultado na tumba do homem de Deus, isto salvou seus ossos da profanação, quando, duzentos anos depois, a profecia foi cumprida (2 Reis 23.15-20) .

Pastor Almir Marculino Tavares