6 de outubro de 2024

 


Mudanças sociais não são novidade na história da humanidade. Em cada época, a humanidade vive tempos contínuos de transição que implicam em profundas mudanças sociais. Na historiografia eurocêntrica, por exemplo, percebem-se mudanças que receberam nomes diversos tais como, Idade da Pedra, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Nota-se, portanto, que os nomes atribuídos aos períodos de tempo em foco, são oriundos do fato que eles apresentaram certas características que implicaram em mudanças culturais significativas com processos transicionais em relação ao período precedente. Eruditos como Michel Maffesoli, sociólogo francês, conhecido sobretudo pela popularização do conceito de tribo urbana, nas últimas décadas, perceberam mudanças significativas na estrutura da sociedade, as quais chamaram de pós-modernidade. Ademais, percebe-se que a perspectiva pós-moderna molda cada vez mais a nossa sociedade. Segundo Maffesoli, “O que faz a cultura é a opinião, o pensamento do espaço público, que constituem o cimento emocional da socialidade. ” (MAFFESOLI, 2006). Neste sentido, a pós-modernidade, é uma cultura que tendo emergido nas últimas décadas estabelece uma visão de verdade distinta da época precedente. Ela, portanto, é compreendida como uma estrutura sociocultural caracterizada pela globalização e pelo sistema capitalista e nela, verificaram-se consideráveis mudanças. Logo, a consciência pós-moderna implica necessariamente num tipo radical de pluralismo e relativismo. Deste modo, ela constitui uma ruptura em relação às suposições do passado moderno que a precedeu. Charles Jenks, um destes escritores mais antigos que procurou definir a pós-modernidade, afirmou que,

 

O pós-modernismo é fundamentalmente, a mistura eclética de uma tradição qualquer com a tradição do passado imediato: é, a um só tempo, a continuação do modernismo e sua transcendência. Suas melhores obras têm como característica a duplicidade de códigos e a ironia, a padronização de um amplo espectro de opções, o conflito e a descontinuidade das tradições, porque é a heterogeneidade que capta com maior clareza nosso pluralismo. (JENKS, 1989,)

Ademais, outras questões relevantes puderam ser percebidas no contexto da sociedade pós-moderna, tais como o foco social mudado do indivíduo para a comunidade, ou seja, a tribo urbana em que o indivíduo está inserido passa a ter o foco principal. Já no contexto do conhecimento, a mudança se deu passando-se da verdade objetiva para a subjetiva, na qual se deu mais espaço culturalmente às questões subjetivas e a subjetividade. Sendo assim, passou-se na pós-modernidade da primazia das palavras para a importância fundamental das sensações produzidas pelas imagens, nas quais se observa a prioridade da imagem em relação ao texto. Além disso, percebeu-se uma mudança contextual da meta-narrativa do período precedente para momento de prevalência da micronarrativa. Deste modo, os pós-modernistas, sentem-se bem confortáveis em suas produções sociais ao misturarem questões tradicionalmente incompatíveis. Pós-modernidade, portanto, foi o termo utilizado para definir e explicar o comportamento social da contemporaneidade. 

No entanto, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, após ter mergulhado nas questões referentes a pós-modernidade, abandonou este conceito, preferindo a utilização do termo “Modernidade Liquida” para explicar estas mudanças profundas em diversas áreas da sociedade seja no campo sociológico ou filosófico. O termo modernidade liquida está associado metaforicamente ao fato que os líquidos não possuem forma e podem deslizar facilmente de um canto para outro num certo recipiente. Eles se amoldam a todo e qualquer ambiente em que estiverem colocados, logo, esta condição traz a ideia metafórica de adaptação constante no que concerne a vida humana nos seus mais diversos aspectos. Ao ser entrevistado em Educação e Juventude Bauman afirmou que:

 

Um espectro paira sobre os cidadãos do mundo líquido-moderno em todos os seus esforços e criações: o espectro da superfluidez. A modernidade líquida é uma civilização do excesso, da redundância, do dejeto e do seu descarte. (Bauman, 2013).

 

Em sua análise sobre a Modernidade Liquida, Luiz Felipe Pondé afirmou que,

 

...na busca de sua própria emancipação, a economia líquida-moderna focada no consumidor se baseia no excesso de ofertas, seu envelhecimento acelerado e a rápida dissipação de seu poder de sedução, o que, aliás, a torna uma economia do desperdício. (Pondé, 2011).

 

Modernidade Liquida e LDBEN.

 

Já consideramos que a Modernidade Liquida é uma expressão metafórica usada para descrever os tempos líquidos atuais. Consideramos também que se chama liquido, porque os líquidos não têm formas e se moldam a qualquer forma de recipiente. Neste sentido, Bauman, descreve as transformações sociais pelas quais a sociedade contemporânea tem passado nos mais diversos aspectos da vida, apresentando as consequências nos relacionamentos humanos por meio da metáfora de um mundo “fluido e liquidificado” em contraposição à modernidade sólida e estática do período moderno precedente. Trata-se de um tempo de transformações sociais aceleradas, de desapego ao passado e da provisoriedade das coisas. Da individualização e do desprendimento das redes de pertencimento e da tribalização social. Neste sentido, portanto, as relações sociais não passam de meros contratos superficiais e temporários. Percebem-se, nestes tempos líquidos, relacionamentos voláteis e fluidos como manifestação da liberdade individual. E, como consequência desta individualidade própria da vida liquida, depressão, solidão e individualismo.

Para Bauman,

No mundo líquido-moderno, a solidez das coisas, assim como a solidez dos laços humanos, é ressentida como uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, qualquer compromisso de longo prazo (quanto mais atemporal), pressagia um futuro sobrecarregado com obrigações que restringem a liberdade de movimento e reduzem a capacidade de assumir novas oportunidades, ainda desconhecidas, à medida que elas (inevitavelmente) surgem (Bauman, 2015).

 

Em seu livro “modernidade liquida”, Bauman analisou a sociedade em suas relações sociais desde quando começou a modernidade até os dias de hoje. Ele dividiu a modernidade em duas fases, a saber: a Modernidade Sólida e a Modernidade Liquida. Na modernidade sólida, as mudanças eram ordenadas, previsíveis e estáveis. Porém, houve um processo de transição no qual os Estados perderam influência frente ao papel das empresas transnacionais e estruturas de capitais. Ou seja, o poder de influenciar que era predominantemente do Estado, organizado, produtor de justiça e garantidor da qualidade de vida das pessoas no mundo por meio de um “capitalismo civilizado” sob o controle do Estado foi modificado. Pois o Estado mostrou-se ineficiente, tornou-se cada vez menor e mais enxuto, sendo encolhido e engolido pela iniciativa privada, passando a ser deste modo, controlado pelo sistema financeiro, oligarcas, oligopólios e as empresas multinacionais. Deste modo, o capitalismo, com sua noção de mercado, incorporou várias áreas da sociedade contemporânea, dentre elas, a própria educação que se transformou num negócio lucrativo para a perpetuação de privilégios.

Segundo Bauman,

 

Essa sociedade é uma sociedade de consumidores, e assim como o resto do mundo visto e vivido pelos consumidores, a cultura se transforma em um armazém de produtos destinados ao consumo, cada um competindo pela atenção inconstante de consumidores em potencial na esperança de atraí-lo e segurá-lo por um pouco mais do que um momento fugaz (Bauman, 2010).

 

Diante destas afirmações e considerações sobre este mundo liquido, observa-se que o Brasil nas últimas décadas, em sintonia com o mundo a sua volta, passou por um processo significativo de mudanças na área da Educação em decorrência da criação e modernização de suas leis. Pode se verificar este processo de mudanças no Brasil desde os anos 90 quando da promulgação da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional, lei esta, que já nasceu alinhada com o mundo de transição para a época de globalização e em perfeita conformidade com a Modernidade Líquida. Para Marcelo Soares e Nairim Bernardes, em seu artigo sobre a LDB abordando a questão de como a lei mudou a Educação ao completar na ocasião 20 anos,

 

A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), (...) teve importância crucial nas transformações ocorridas desde então. Servindo à Educação como a Constituição serve para o conjunto da legislação brasileira, a LDB abriu espaço para consolidar medidas que ampliaram o acesso e melhoraram o financiamento do ensino no Brasil. (Soares; Bernardes, 2016)

 

Para eles, como se percebe nitidamente, a situação atual ainda está longe de ser a ideal, especialmente em qualidade de aprendizado, mas é notório que “houve importantes avanços nas últimas décadas”. De fato, quem viveu a realidade brasileira antes dos anos 90 e durante o processo transicional das décadas seguintes pôde constatar o esforço de diferentes governos na direção de melhorarias para a realidade da educação brasileira. A Educação básica e a educação superior, portanto, foram profundamente atingidas pela busca de melhorias dos índices da educação, e, consequentemente, a ampliação e expansão dos horizontes educacionais. Segundo eles ainda afirmam,

 

A lei também introduziu mecanismos de avaliação do ensino, que hoje se materializam em iniciativas como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Censo Escolar. Com isso, saímos do escuro e conhecemos melhor os resultados do trabalho desenvolvido pelos educadores. (Soares; Bernardes, 2016)

 

Já se observou que a modernidade líquida é marcada pela instabilidade, flexibilidade e necessidade de adaptação constante às mudanças sociais culturais e econômicas. Em conformidade com a Modernidade Liquida, a LDBE, Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, foi elaborada em um contexto que já começava a refletir essa transição para uma realidade mais líquida da sociedade tendo naturalmente uma forte conexão e ligação com os seus conceitos. Assim, algumas das leis da LDBE refletem realidades que se coadunam com os conceitos de Bauman acerca da Modernidade Liquida e impactaram diretamente o processo educacional brasileiro, especialmente no que concerne a formação de professores e a prática docente.

Observa-se nos artigos 26 e 36 por exemplo, os quais afirmam respectivamente que:

 

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. 

 

Art. 36. Os itinerários formativos, articulados com a parte diversificada de que trata o caput do art. 26 desta Lei, terão carga horária mínima de 600 (seiscentas) horas, ressalvadas as especificidades da formação técnica e profissional, e serão compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação técnica e profissional, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, consideradas as seguintes ênfases: (Redação dada pela Lei nº 14.945, de 2024)

 

Essa flexibilidade da norma legal, por tanto, veio a permitir que as escolas ajustassem seus currículos às necessidades da sociedade em transformação, o que é típico da Modernidade Líquida. Desde então, a educação tem sido organizada de maneira flexível incentivando e impactando a formação dos educadores e dos educandos preparando-os para o dinamismo do mercado de trabalho diante das mudanças sociais impostas no contexto pós-moderno.

A LDBE, portanto, foi promulgada num contexto de transição de uma sociedade sólida para uma sociedade mais dinâmica e globalizada. Ela refletiu a necessidade de flexibilidade em seus artigos permitindo a personalização dos currículos com as características regionais e locais, ao mesmo tempo em que estabeleceu uma base comum nacional e isto está em plena sintonia com a Modernidade Liquida que requer das pessoas adaptabilidade e mutação contínuas, pois as necessidades das pessoas mudam rapidamente e os currículos precisam ser flexíveis ao processo de acompanhamento destas transformações. A LDBEN também destaca, nos artigos 32 e 35, a importância de assegurar o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades atualmente descritas pela literatura como as competências para o século 21, como a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.

O surgimento da internet, por sua vez, com sua contribuição mais do que significativa, pressionou a humanidade e aquiesceu-lhe trazendo-lhe mudanças impressionantes, as quais, obrigaram a sociedade no caminho da velocidade da informação e da superfluidez. Logo, a globalização trouxe um estado de coisas fluido no qual mudanças e incertezas passaram a caracterizar o mundo liquido em que a sociedade está inserida. Portanto, a visão metafórica da modernidade liquida pressupõe que tudo se dissolve e se desfaz no caminho e pode tomar qualquer forma e isto tem impacto direto na forma de ver e aprender as coisas. Neste sentido, observa-se um novo contexto em que valores, crenças e tradições tornam-se mutáveis e voláteis. As coisas rígidas e sólidas do passado não fazem mais sentido num mundo liquido moderno com toda sua volatilidade. As perguntas a serem respondidas são diferentes das que se faziam necessárias anteriormente, logo, não se produzem respostas para o passado mas para o agora e então.

A vida na modernidade liquida, portanto, se percebe fluida. A velocidade de informação disponível trazida a todos os cantos pela internet e o acesso a informação cada vez maior a um maior número de pessoas proporcionaram excessos informacionais que requerem um continuado processo de atualização e revisão de conteúdos com novas informações que, constantemente, atualizam os conhecimentos a partir de novas perspectivas. Segundo Bauman, uma das características fundamentais deste tempo é capacidade de aprender e descartar o que se aprendeu selecionando o que deve seguir no processo de conhecimento e atualização do que se conheceu. Para ele, “aprender depressa, é a capacidade de esquecer instantaneamente o que foi aprendido antes”. (Bauman, 2013). Portanto, pode-se depreender das palavras dele que o descarte de informações se faz necessário diante da quantidade, da velocidade e das novas perspectivas informacionais. Assim, afirma ele: "mudar de ideia ou revogar decisões anteriores é algo que deve ocorrer no processo sem remorsos nem reconsiderações”. (Bauman, 2013)

Entretanto, percebe-se que, mesmo diante da liquidez social em que a contemporaneidade vive, o único propósito invariável da educação era, é e continuará a ser a preparação dos educandos para a vida segundo as realidades que invariavelmente enfrentarão no decorrer da caminhada. Portanto, o ensino, neste sentido, precisa ser de conhecimento prático, concreto e imediatamente aplicável, de tal maneira que seja provocativo devendo produzir no educando uma mentalidade crítica, aberta as novas concepções que se forem forjando através dos novos tempos e que se fizerem necessárias no decorrer da caminha educacional. Ademais, o que se espera e se requer de um educador num contexto como este é que ele seja um contínuo aprendiz, capaz de atualizar-se sempre para que possa obter os melhores resultados acadêmicos em sua vida pessoal e nas vidas de seus alunos. Ainda que, em sua carreira profissional, tenha que lidar com as questões implícitas advindas do sistema de capital.

Diante do exposto sobre a sociedade na modernidade líquida, conforme conceitua o teórico Bauman, seguimos adiante com os principais pontos da sua ideia que estão mais relacionados com a área de educação. Ou seja, muito embora ele não seja um teórico da área de educação, observaremos quais os principais aspectos de sua vasta obra, que estão intimamente relacionados com a educação e demonstram o impacto da modernidade líquida na área de educação em consonância com as diretrizes básicas para a educação brasileira promulgadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em seu governo na nova lei de diretrizes e bases da educação nacional.

 

Impactos da Modernidade Liquida e da LDBEN na Formação Continuada e no Trabalho Docente.

 

Poder-se-ia costurar os conceitos de Bauman, encontrados em sua vasta obra, com as mudanças trazidas pela LDBEN para a educação básica brasileira. Observando-se as principais mudanças ocorridas na educação por meio da nova Lei que trouxeram benefícios significativos para a formação continuada de professores e o trabalho docente neste mundo liquido descobrimos a seguir alguns aspectos que merecem nossa atenção e reflexão.

 

1.    Um mundo saturado de informações

 

A Educação na era líquida traz o desafio de educar em um mundo saturado de informações. O professor deve ajudar os seus alunos a serem seletivos com quais informações eles precisam de fato se preocupar. Logo, o professor tem como principal papel ensinar a pensar e promover uma cultura de aprendizagem educacional que perdure por toda vida produzindo competência social. Na modernidade liquida sugerida por Bauman, os indivíduos devem perseguir seus objetivos fragmentários. Sendo assim, no mundo liquido demonstrado por Bauman, os professores precisam desenvolver seus trabalhos de ensino de modo a considerarem o contexto contemporâneo em que seus alunos estão inseridos sendo maleáveis, de muito bom senso e prontos para fazerem adaptações constantes num mundo saturado de informações.

Por essa razão, o desafio para o professor na Modernidade Líquida é o de estar em constante construção, em constante aperfeiçoamento, para prender a atenção de seus alunos. Logo, a educação na modernidade liquida implica em que o professor deve buscar aperfeiçoamento, aprimoramento, e adaptação constante.

    

2.    Educação pensada para a vida inteira.

 

A história da educação nos mostra uma necessidade de adaptação, revisão e reforma em cada contexto em que ela está inserida. Logo, em todas as épocas, o conhecimento foi avaliado com base em sua capacidade de representar fielmente o mundo. Mas como fazer isso quando o mundo muda de uma forma que desafia constantemente a verdade do saber existente, pegando de surpresa até os mais “bem-informados”? (Bauman, 2010, p. 43).

 

A educação no passado assumiu muitas formas e provou ser capaz de se ajustar às mudanças, circunstâncias, estabelecendo novos objetivos e desenhando novas estratégias. A presente mudança não é como as mudanças passadas. Em nenhum momento decisivo da história humana os educadores enfrentaram um desafio estritamente comparável ao que a bacia contemporânea apresenta. Simplesmente, nunca esteve em tal situação antes (Brito, Purificação, 2017).

 

“Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. (ENTREVISTA em o GLOBO, BAUMAN). Com base neste pano de fundo, Bauman em ”Educação e Juventude, de maneira impressionante, propõe em Educação e Juventude a metáfora dos mísseis: balísticos vs inteligentes. Segundo ele, a Educação na Modernidade solida, comparava-se aos mísseis balísticos que tinham alvos fixos e predeterminados a serem atingidos. Por outro lado, a Educação na Modernidade Liquida é comparada aos mísseis inteligentes, ou seja, aqueles que são preparados para aprenderem enquanto perseguem o alvo, o qual não é mais fixo, estando em constante movimento. (Bauman, 2013). Logo, sendo que o alvo está mudando de direção, o míssil deve ser criado com inteligência para aprender durante o percurso e mudar de direção enquanto persegue o alvo. Semelhantemente, segundo entende Bauman, a Educação deve ser focada em preparar o educando para as mudanças que ele terá que encarar no decorrer de sua vida.

Deste modo, a formação continuada como pressuposto da LDB foi profundamente impactada diante do fato que se observou um crescente número de docentes ampliando a sua condição acadêmica para enfrentar os desafios deste mundo liquido.

Quanto a formação docente, durante a elaboração da LDB, muitos defenderam que os docentes de todas as etapas de ensino deveriam possuir graduação, o que de fato ocorreu no decorrer do tempo.  “O problema é que isso ainda era uma realidade muito distante para o Brasil, pois em muitos lugares, o magistério era muito mais difundido do que o curso de Pedagogia ou do que as licenciaturas”, explica Pilar. Ou seja, em muitos lugares os professores tinham apenas o curso de magistério para lecionarem, não atingindo a graduação de nível superior. Deste modo, em 1990, apenas um em cada cinco professores tinha feito algum tipo de faculdade. No entanto, o tema foi sendo desenvolvido e atualizado no texto, conforme essa realidade mudava. Como resultado, pôde se perceber que em 2011, este quadro havia mudado, pois já eram três graduados a cada cinco.

Em Política Educacional, Eneida Oto, pp. 11, 12.

 

Nessas circunstâncias, percebem-se dois movimentos simultâneos e articulados: de um lado, a afirmação da ideia de educação continuada que rompe as fronteiras dos tempos e locais destinados a aprender. A educação torna-se processo para a vida inteira, a tão propalada long life education. Da família ao trabalho e à comunidade, todo lugar é lugar de aprendizagem. Difundem- se rapidamente as noções de organizações e empresas como learning places. Afinada aos novos tempos, a própria LDBEN estabelece que sejam reconhecidas e certificadas as aprendizagens realizadas em outros espaços que não o escolar e, antevendo os diferentes e não programados perfodos de estudo, propõe o ensino, por módulos, que permite a alternância entre períodos de ocupação e de estudo. Sem dúvida, uma medida consensualmente aceita e apropriada a um mercado de trabalho cada vez mais restrito e excludente. (Eneida Oto, 2002)

 

3.   Conhecimento para uso único e instantâneo.

 

Uma das perspectivas mais significativas do pensamento de Bauman está exatamente no tipo conhecimento que se adquire na Modernidade Liquida. Para ele o conhecimento adequado é aquele para uso instantâneo, aquele que facilmente se descarta, pois, o fato é que nós vivemos em uma sociedade do descarte, em que as coisas perdem rapidamente o seu poder de sedução e encanto.

 

O consumismo de hoje é sobre não acumulação de coisas, mas o seu prazer "único". Então, por que o ‘pacote de conhecimento’ obtido durante a permanência na escola ou na faculdade está isenta dessa regra universal? No turbilhão da mudança, conhecimento adequado para uso instantâneo e destinado a uso “único”, conhecimento pronto para uso instantâneo e conhecimento de descarte instantâneo do tipo prometido por programas de software que entram e saem da loja prateleiras em uma sucessão cada vez mais acelerada, parece muito mais atraente (Bauman, 2015).

4.   Educação para a cidadania.

 

Na apresentação do livro Os desafios da educação na Modernidade Líquida (Bauman, 2007b) encontra-se a síntese baumaniana sobre formação técnica e educação para a cidadania:

 

[...] a formação continuada não deve dedicar-se exclusivamente ao fomento de habilidades técnicas e à formação centrada no trabalho, mas, sobretudo, a formar cidadãos que recuperem o espaço público do diálogo e seus direitos democráticos, pois um cidadão ignorante das circunstâncias políticas e sociais nas quais está inserido será totalmente incapaz de controlar o futuro destas circunstâncias e o futuro de si mesmo (Bauman, 2007. Contracapa do livro).

 

Logo, para ele a formação continuada deve produzir cidadãos que desenvolvem saberes críticos, conscientes de seus direitos e capazes de recuperarem o espaço público por meio do diálogo. Deste modo, a Educação, na perspectiva baumiana produz cidadãos conscientes para o exercício da cidadania, isto é, prontos para o exercício pleno de seus direitos democráticos.

 

5.   Educação como sinônimo de Esperança.

 

Uma das coisas que ainda se observa no decorrer do processo histórico através das mudanças que houve com a nova LDB no Brasil, é exatamente o fato que a lei trouxe perspectivas esperançosas para a sociedade no que diz respeito à educação dos jovens. Pois hoje, de uma forma geral, os jovens das camadas mais baixas no Brasil conseguiram acesso à educação, ao contrário do que acontecia anteriormente quando não tinham acesso livre a educação superior, sendo este um dos privilégios das camadas sociais mais abastadas. Desde a educação infantil até o ensino superior tinha-se pouco acesso à educação de qualidade. Isso fez com que no decorrer do tempo, por meio da lei, as camadas mais pobres da população brasileira tivessem esperança de que a situação social oriunda de um processo histórico de exploração e privilégios das elites poderia mudar a partir acesso à educação promovido pela lei que, por sua vez, proporcionou uma série de mudanças que trouxeram o desenvolvimento contínuo fazendo com que os jovens avançassem no desenvolvimento do conhecimento agora também em nível superior. Isto, portanto, trouxe brasileiros de outras camadas sociais a um patamar social de acesso à educação. Segundo afirmam Marcelo Soares e Nairim Bernardes, em seu artigo sobre a LDB e como a lei mudou a Educação”,

 

Para se manter viva e ativa até hoje, a LDB precisou ultrapassar barreiras governamentais e contou com o reforço de mecanismos como o Plano Nacional de Educação (PNE), que define metas e objetivos a serem alcançados a cada 10 anos. Soares; Bernardes, 2016)

 

 Não resta dúvida que nas últimas décadas, após o advento da nova LDBN, houve depois de significativo tempo transicional maior acesso à educação por meio de leis que foram criadas e abriram portas para o novo ensino, e este, por sua vez, trouxe uma série de oportunidades que alavancaram a carreira de muitas pessoas das classes mais baixas da população trazendo perspectiva e esperança de que a educação no futuro produziria seus efeitos e mudanças ainda mais profundas ocorreria na sociedade. Segundo escrevem os pesquisadores Barbara Bruns, David Evans e Javier Luque no estudo Achieving World-Class Education in Brazil, publicado pelo Banco Mundial há alguns anos atrás, entre 1990 e 2010, a evolução na escolaridade da população do Brasil cresceu a um ritmo mais rápido que o da China.

Sobre a esperança na educação, em seu livro Vida Líquida, Bauman afirmou:

 

A finalidade da educação nesses casos é contestar o impacto das experiências do dia-a-dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente social. Mas será que a educação e os educadores estão à altura dessa tarefa? Serão eles capazes de resistir à pressão? Conseguirão evitar ser arregimentados pelas mesmas pressões que deveriam confrontar? Essa pergunta tem sido feita desde sempre e repetidamente respondida de forma negativa pelas realidades da vida social. E ressurge, no entanto, igualmente forte, após cada calamidade que se sucede. As esperanças de usar a educação como uma alavanca com força suficiente para desestabilizar e finalmente desalojar as pressões dos “fatos sociais” parecem tão imortais quanto vulneráveis [...] De qualquer modo, a esperança está viva e passa bem (Bauman, 2007b, p. 21).

 

Ele ainda afirma que:

 

Embora os poderes do atual sistema educacional pareçam limitados, e ele próprio seja cada vez mais submetido ao jogo consumista, ainda tem poderes de transformação suficientes para ser considerado um dos fatores promissores  para esta revolução, a revolução cultural. (Bauman, 2013, p. 31)

 

6.   Educação superior e perpetuação de privilégios.

 

Entretanto, muito embora tenhamos percebido significativas mudanças no que diz respeito a educação Brasil, Bauman no que concerne à educação superior adverte que ela existe, tendo sido absorvida pelo sistema capitalista, como uma educação que perpetua privilégios. Deste modo a educação superior existe para a perpetuação de privilégios da elite.

Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea. (ENTREVISTA GLOBO, BAUMAN)

 

Portanto, pode se verificar em sua afirmação, que a educação, como é próprio de um mundo liquido consumista, se transformou num empreendimento expandindo-se na direção das classes menos favorecidas como um negócio lucrativo para empreendedores nacionais e internacionais com estímulos do governo. E assim, propõe ele, “o pensamento de que a educação pode ser um ‘produto’ que deve ser apropriado e mantido é desanimador e certamente não fala mais a favor da educação institucionalizada (...)”. (Bauman, 2009). Com este pando de fundo, portanto, Bauman sugeriu em sua análise que a educação superior na Modernidade Liquida não garante mais ascensão social, pois é um poderoso sistema de reprodução de privilégios. Segundo ele,

 

Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior, porque alguns desses “nós" que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento" que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão" desistiram da universidade ou nunca entraram nela. (Bauman, Entrevista em O Globo.)

 

Questionado sobre o seu livro “A riqueza de poucos beneficia todos nós?", Bauman refletiu sobre as desigualdades sociais considerando que a educação foi incorporada pela economia de mercado. Logo, segundo ele entende,

 

O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria (escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo", no ano passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.

 

Portanto, como se pode verificar, houve um impacto gigantesco da Modernidade Liquida que, intimamente relacionado com as deliberações legais do Congresso Brasileiro e a Presidência da República por meio da LDBEN, contribuíram significativamente para o processo de mudanças na Educação brasileira.


0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial