Mudanças
sociais não são novidade na história da humanidade. Em cada época, a humanidade
vive tempos contínuos de transição que implicam em profundas mudanças sociais.
Na historiografia eurocêntrica, por exemplo, percebem-se mudanças que receberam
nomes diversos tais como, Idade da Pedra, Idade Antiga, Idade Média, Idade
Moderna e Idade Contemporânea. Nota-se, portanto, que os nomes atribuídos aos
períodos de tempo em foco, são oriundos do fato que eles apresentaram certas
características que implicaram em mudanças culturais significativas com
processos transicionais em relação ao período precedente. Eruditos como Michel
Maffesoli, sociólogo francês, conhecido sobretudo pela popularização do
conceito de tribo urbana, nas últimas décadas, perceberam mudanças significativas
na estrutura da sociedade, as quais chamaram de pós-modernidade. Ademais,
percebe-se que a perspectiva pós-moderna molda cada vez mais a nossa sociedade.
Segundo Maffesoli, “O que faz a cultura é a opinião, o pensamento do espaço
público, que constituem o cimento emocional da socialidade. ” (MAFFESOLI,
2006). Neste sentido, a pós-modernidade, é uma cultura que tendo emergido nas
últimas décadas estabelece uma visão de verdade distinta da época precedente.
Ela, portanto, é compreendida como uma estrutura sociocultural caracterizada
pela globalização e pelo sistema capitalista e nela, verificaram-se
consideráveis mudanças. Logo, a consciência pós-moderna implica necessariamente
num tipo radical de pluralismo e relativismo. Deste modo, ela constitui uma
ruptura em relação às suposições do passado moderno que a precedeu. Charles
Jenks, um destes escritores mais antigos que procurou definir a
pós-modernidade, afirmou que,
O
pós-modernismo é fundamentalmente, a mistura eclética de uma tradição qualquer
com a tradição do passado imediato: é, a um só tempo, a continuação do
modernismo e sua transcendência. Suas melhores obras têm como característica a
duplicidade de códigos e a ironia, a padronização de um amplo espectro de
opções, o conflito e a descontinuidade das tradições, porque é a
heterogeneidade que capta com maior clareza nosso pluralismo. (JENKS, 1989,)
Ademais,
outras questões relevantes puderam ser percebidas no contexto da sociedade
pós-moderna, tais como o foco social mudado do indivíduo para a comunidade, ou
seja, a tribo urbana em que o indivíduo está inserido passa a ter o foco
principal. Já no contexto do conhecimento, a mudança se deu passando-se da
verdade objetiva para a subjetiva, na qual se deu mais espaço culturalmente às
questões subjetivas e a subjetividade. Sendo assim, passou-se na
pós-modernidade da primazia das palavras para a importância fundamental das
sensações produzidas pelas imagens, nas quais se observa a prioridade da imagem
em relação ao texto. Além disso, percebeu-se uma mudança contextual da
meta-narrativa do período precedente para momento de prevalência da
micronarrativa. Deste modo, os pós-modernistas, sentem-se bem confortáveis em
suas produções sociais ao misturarem questões tradicionalmente incompatíveis.
Pós-modernidade, portanto, foi o termo utilizado para definir e explicar o
comportamento social da contemporaneidade.
No
entanto, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, após ter mergulhado nas questões
referentes a pós-modernidade, abandonou este conceito, preferindo a utilização
do termo “Modernidade Liquida” para explicar estas mudanças profundas em
diversas áreas da sociedade seja no campo sociológico ou filosófico. O termo
modernidade liquida está associado metaforicamente ao fato que os líquidos não
possuem forma e podem deslizar facilmente de um canto para outro num certo
recipiente. Eles se amoldam a todo e qualquer ambiente em que estiverem
colocados, logo, esta condição traz a ideia metafórica de adaptação constante
no que concerne a vida humana nos seus mais diversos aspectos. Ao ser
entrevistado em Educação e Juventude Bauman afirmou que:
Um espectro paira sobre os
cidadãos do mundo líquido-moderno em todos os seus esforços e criações: o
espectro da superfluidez. A modernidade líquida é uma civilização do excesso,
da redundância, do dejeto e do seu descarte. (Bauman, 2013).
Em sua análise
sobre a Modernidade Liquida, Luiz Felipe Pondé afirmou que,
...na
busca de sua própria emancipação, a economia líquida-moderna focada no
consumidor se baseia no excesso de ofertas, seu envelhecimento acelerado e a
rápida dissipação de seu poder de sedução, o que, aliás, a torna uma economia
do desperdício. (Pondé, 2011).
Modernidade Liquida e LDBEN.
Já
consideramos que a Modernidade Liquida é uma expressão metafórica usada para
descrever os tempos líquidos atuais. Consideramos também que se chama liquido,
porque os líquidos não têm formas e se moldam a qualquer forma de recipiente.
Neste sentido, Bauman, descreve as transformações sociais pelas quais a
sociedade contemporânea tem passado nos mais diversos aspectos da vida,
apresentando as consequências nos relacionamentos humanos por meio da metáfora
de um mundo “fluido e liquidificado” em contraposição à modernidade sólida e
estática do período moderno precedente. Trata-se de um tempo de transformações
sociais aceleradas, de desapego ao passado e da provisoriedade das coisas. Da
individualização e do desprendimento das redes de pertencimento e da
tribalização social. Neste sentido, portanto, as relações sociais não passam de
meros contratos superficiais e temporários. Percebem-se, nestes tempos
líquidos, relacionamentos voláteis e fluidos como manifestação da liberdade
individual. E, como consequência desta individualidade própria da vida liquida,
depressão, solidão e individualismo.
Para
Bauman,
No mundo líquido-moderno, a
solidez das coisas, assim como a solidez dos laços humanos, é ressentida como
uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, qualquer compromisso de longo
prazo (quanto mais atemporal), pressagia um futuro sobrecarregado com
obrigações que restringem a liberdade de movimento e reduzem a capacidade de
assumir novas oportunidades, ainda desconhecidas, à medida que elas
(inevitavelmente) surgem (Bauman, 2015).
Em
seu livro “modernidade liquida”, Bauman analisou a sociedade em suas relações
sociais desde quando começou a modernidade até os dias de hoje. Ele dividiu a
modernidade em duas fases, a saber: a Modernidade Sólida e a Modernidade Liquida.
Na modernidade sólida, as mudanças eram ordenadas, previsíveis e estáveis.
Porém, houve um processo de transição no qual os Estados perderam influência
frente ao papel das empresas transnacionais e estruturas de capitais. Ou seja,
o poder de influenciar que era predominantemente do Estado, organizado,
produtor de justiça e garantidor da qualidade de vida das pessoas no mundo por
meio de um “capitalismo civilizado” sob o controle do Estado foi modificado. Pois
o Estado mostrou-se ineficiente, tornou-se cada vez menor e mais enxuto, sendo encolhido
e engolido pela iniciativa privada, passando
a ser deste modo, controlado pelo sistema financeiro, oligarcas, oligopólios e
as empresas multinacionais. Deste modo, o capitalismo, com sua noção de
mercado, incorporou várias áreas da sociedade contemporânea, dentre elas, a
própria educação que se transformou num negócio lucrativo para a perpetuação de
privilégios.
Segundo
Bauman,
Essa
sociedade é uma sociedade de consumidores, e assim como o resto do mundo visto
e vivido pelos consumidores, a cultura se transforma em um armazém de produtos
destinados ao consumo, cada um competindo pela atenção inconstante de
consumidores em potencial na esperança de atraí-lo e segurá-lo por um pouco
mais do que um momento fugaz (Bauman, 2010).
Diante
destas afirmações e considerações sobre este mundo liquido, observa-se que o Brasil
nas últimas décadas, em sintonia com o mundo a sua volta, passou por um
processo significativo de mudanças na área da Educação em decorrência da
criação e modernização de suas leis. Pode se verificar este processo de
mudanças no Brasil desde os anos 90 quando da promulgação da nova lei de
diretrizes e bases da educação nacional, lei esta, que já nasceu alinhada com o
mundo de transição para a época de globalização e em perfeita conformidade com
a Modernidade Líquida. Para Marcelo Soares e Nairim Bernardes, em seu artigo
sobre a LDB abordando a questão de como a lei mudou a Educação ao completar na
ocasião 20 anos,
A
Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), (...) teve importância
crucial nas transformações ocorridas desde então. Servindo à Educação como a
Constituição serve para o conjunto da legislação brasileira, a LDB abriu espaço
para consolidar medidas que ampliaram o acesso e melhoraram o financiamento do
ensino no Brasil. (Soares; Bernardes, 2016)
Para eles, como
se percebe nitidamente, a situação atual ainda está longe de ser a ideal,
especialmente em qualidade de aprendizado, mas é notório que “houve importantes
avanços nas últimas décadas”. De fato, quem viveu a realidade brasileira antes
dos anos 90 e durante o processo transicional das décadas seguintes pôde
constatar o esforço de diferentes governos na direção de melhorarias para a realidade
da educação brasileira. A Educação básica e a educação superior, portanto, foram
profundamente atingidas pela busca de melhorias dos índices da educação, e,
consequentemente, a ampliação e expansão dos horizontes educacionais. Segundo
eles ainda afirmam,
A
lei também introduziu mecanismos de avaliação do ensino, que hoje se
materializam em iniciativas como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) e o Censo Escolar. Com isso, saímos do escuro e conhecemos melhor os
resultados do trabalho desenvolvido pelos educadores. (Soares; Bernardes, 2016)
Já
se observou que a modernidade líquida é marcada pela instabilidade,
flexibilidade e necessidade de adaptação constante às mudanças sociais
culturais e econômicas. Em conformidade com a Modernidade Liquida, a LDBE, Lei
nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, foi elaborada em um contexto que já começava a refletir essa
transição para uma realidade mais líquida da sociedade tendo naturalmente uma
forte conexão e ligação com os seus conceitos. Assim, algumas das leis da LDBE
refletem realidades que se coadunam com os conceitos de Bauman acerca da
Modernidade Liquida e impactaram diretamente o processo educacional brasileiro,
especialmente no que concerne a formação de professores e a prática docente.
Observa-se
nos artigos 26 e 36 por exemplo, os quais afirmam respectivamente que:
Art.
26. Os currículos da educação
infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
Art. 36. Os
itinerários formativos, articulados com a parte diversificada de que trata o
caput do art. 26 desta Lei, terão carga horária mínima de 600 (seiscentas)
horas, ressalvadas as especificidades da formação técnica e profissional, e
serão compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação
técnica e profissional, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, consideradas as seguintes ênfases:
(Redação dada pela Lei nº 14.945, de 2024)
Essa
flexibilidade da norma legal, por tanto, veio a permitir que as escolas
ajustassem seus currículos às necessidades da sociedade em transformação, o que
é típico da Modernidade Líquida. Desde então, a educação tem sido organizada de
maneira flexível incentivando e impactando a formação dos educadores e dos educandos
preparando-os para o dinamismo do mercado de trabalho diante das mudanças
sociais impostas no contexto pós-moderno.
A
LDBE, portanto, foi promulgada num contexto de transição de uma sociedade
sólida para uma sociedade mais dinâmica e globalizada. Ela refletiu a
necessidade de flexibilidade em seus artigos permitindo a personalização dos
currículos com as características regionais e locais, ao mesmo tempo em que
estabeleceu uma base comum nacional e isto está em plena sintonia com a
Modernidade Liquida que requer das pessoas adaptabilidade e mutação contínuas,
pois as necessidades das pessoas mudam rapidamente e os currículos precisam ser
flexíveis ao processo de acompanhamento destas transformações. A LDBEN também destaca, nos artigos 32 e
35, a importância de assegurar o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades
atualmente descritas pela literatura como as competências para o século 21,
como a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.
O
surgimento da internet, por sua vez, com sua contribuição mais do que
significativa, pressionou a humanidade e aquiesceu-lhe trazendo-lhe mudanças
impressionantes, as quais, obrigaram a sociedade no caminho da velocidade da
informação e da superfluidez. Logo, a globalização trouxe um estado de coisas
fluido no qual mudanças e incertezas passaram a caracterizar o mundo liquido em
que a sociedade está inserida. Portanto, a visão metafórica da modernidade
liquida pressupõe que tudo se dissolve e se desfaz no caminho e pode tomar
qualquer forma e isto tem impacto direto na forma de ver e aprender as coisas.
Neste sentido, observa-se um novo contexto em que valores, crenças e tradições
tornam-se mutáveis e voláteis. As coisas rígidas e sólidas do passado não fazem
mais sentido num mundo liquido moderno com toda sua volatilidade. As perguntas
a serem respondidas são diferentes das que se faziam necessárias anteriormente,
logo, não se produzem respostas para o passado mas para o agora e então.
A
vida na modernidade liquida, portanto, se percebe fluida. A velocidade de
informação disponível trazida a todos os cantos pela internet e o acesso a
informação cada vez maior a um maior número de pessoas proporcionaram excessos
informacionais que requerem um continuado processo de atualização e revisão de
conteúdos com novas informações que, constantemente, atualizam os conhecimentos
a partir de novas perspectivas. Segundo Bauman, uma das características
fundamentais deste tempo é capacidade de aprender e descartar o que se aprendeu
selecionando o que deve seguir no processo de conhecimento e atualização do que
se conheceu. Para ele, “aprender depressa, é a capacidade de esquecer
instantaneamente o que foi aprendido antes”. (Bauman, 2013). Portanto, pode-se
depreender das palavras dele que o descarte de informações se faz necessário
diante da quantidade, da velocidade e das novas perspectivas informacionais.
Assim, afirma ele: "mudar de ideia ou revogar decisões anteriores é algo
que deve ocorrer no processo sem remorsos nem reconsiderações”. (Bauman, 2013)
Entretanto,
percebe-se que, mesmo diante da liquidez social em que a contemporaneidade
vive, o único propósito invariável da educação era, é e continuará a ser a
preparação dos educandos para a vida segundo as realidades que invariavelmente
enfrentarão no decorrer da caminhada. Portanto, o ensino, neste sentido,
precisa ser de conhecimento prático, concreto e imediatamente aplicável, de tal
maneira que seja provocativo devendo produzir no educando uma mentalidade
crítica, aberta as novas concepções que se forem forjando através dos novos
tempos e que se fizerem necessárias no decorrer da caminha educacional.
Ademais, o que se espera e se requer de um educador num contexto como este é
que ele seja um contínuo aprendiz, capaz de atualizar-se sempre para que possa
obter os melhores resultados acadêmicos em sua vida pessoal e nas vidas de seus
alunos. Ainda que, em sua carreira profissional, tenha que lidar com as
questões implícitas advindas do sistema de capital.
Diante
do exposto sobre a sociedade na modernidade líquida, conforme conceitua o
teórico Bauman, seguimos adiante com os principais pontos da sua ideia que
estão mais relacionados com a área de educação. Ou seja, muito embora ele não
seja um teórico da área de educação, observaremos quais os principais aspectos
de sua vasta obra, que estão intimamente relacionados com a educação e
demonstram o impacto da modernidade líquida na área de educação em consonância
com as diretrizes básicas para a educação brasileira promulgadas pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso em seu governo na nova lei de diretrizes e
bases da educação nacional.
Impactos da Modernidade Liquida e da LDBEN na Formação
Continuada e no Trabalho Docente.
Poder-se-ia
costurar os conceitos de Bauman, encontrados em sua vasta obra, com as mudanças
trazidas pela LDBEN para a educação básica brasileira. Observando-se as
principais mudanças ocorridas na educação por meio da nova Lei que trouxeram
benefícios significativos para a formação continuada de professores e o
trabalho docente neste mundo liquido descobrimos a seguir alguns aspectos que
merecem nossa atenção e reflexão.
1. Um mundo saturado de
informações
A
Educação na era líquida traz o desafio de educar em um mundo saturado de
informações. O professor deve ajudar os seus alunos a serem seletivos com quais
informações eles precisam de fato se preocupar. Logo, o professor tem como
principal papel ensinar a pensar e promover uma cultura de aprendizagem
educacional que perdure por toda vida produzindo competência social. Na
modernidade liquida sugerida por Bauman, os indivíduos devem perseguir seus
objetivos fragmentários. Sendo assim, no mundo liquido demonstrado por Bauman,
os professores precisam desenvolver seus trabalhos de ensino de modo a considerarem
o contexto contemporâneo em que seus alunos estão inseridos sendo maleáveis, de
muito bom senso e prontos para fazerem adaptações constantes num mundo saturado
de informações.
Por
essa razão, o desafio para o professor na Modernidade Líquida é o de estar em
constante construção, em constante aperfeiçoamento, para prender a atenção de
seus alunos. Logo, a educação na modernidade liquida implica em que o professor
deve buscar aperfeiçoamento, aprimoramento, e adaptação constante.
2. Educação pensada para a
vida inteira.
A
história da educação nos mostra uma necessidade de adaptação, revisão e reforma
em cada contexto em que ela está inserida. Logo, em todas as épocas, o conhecimento
foi avaliado com base em sua capacidade de representar fielmente o mundo. Mas
como fazer isso quando o mundo muda de uma forma que desafia constantemente a
verdade do saber existente, pegando de surpresa até os mais “bem-informados”?
(Bauman, 2010, p. 43).
A
educação no passado assumiu muitas formas e provou ser capaz de se ajustar às
mudanças, circunstâncias, estabelecendo novos objetivos e desenhando novas
estratégias. A presente mudança não é como as mudanças passadas. Em nenhum
momento decisivo da história humana os educadores enfrentaram um desafio
estritamente comparável ao que a bacia contemporânea apresenta. Simplesmente,
nunca esteve em tal situação antes (Brito, Purificação, 2017).
“Uma
coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida
inteira. (ENTREVISTA em o GLOBO, BAUMAN). Com base neste pano de fundo,
Bauman em ”Educação e Juventude, de maneira impressionante, propõe em Educação
e Juventude a metáfora dos
mísseis: balísticos vs inteligentes. Segundo ele, a Educação na Modernidade
solida, comparava-se aos mísseis balísticos que tinham alvos fixos e
predeterminados a serem atingidos. Por outro lado, a Educação na Modernidade
Liquida é comparada aos mísseis inteligentes, ou seja, aqueles que são
preparados para aprenderem enquanto perseguem o alvo, o qual não é mais fixo,
estando em constante movimento. (Bauman,
2013).
Logo, sendo que o alvo está
mudando de direção, o míssil deve ser criado com inteligência para aprender durante
o percurso e mudar de direção enquanto persegue o alvo. Semelhantemente, segundo
entende Bauman, a Educação deve ser focada em preparar o educando para as
mudanças que ele terá que encarar no decorrer de sua vida.
Deste modo, a formação continuada como pressuposto
da LDB foi profundamente impactada diante do fato que se observou um crescente
número de docentes ampliando a sua condição acadêmica para enfrentar os desafios
deste mundo liquido.
Quanto
a formação docente, durante a elaboração da LDB, muitos defenderam que os
docentes de todas as etapas de ensino deveriam possuir graduação, o que de fato
ocorreu no decorrer do tempo. “O
problema é que isso ainda era uma realidade muito distante para o Brasil, pois
em muitos lugares, o magistério era muito mais difundido do que o curso de
Pedagogia ou do que as licenciaturas”, explica Pilar. Ou seja, em muitos
lugares os professores tinham apenas o curso de magistério para lecionarem, não
atingindo a graduação de nível superior. Deste modo, em 1990, apenas um em cada
cinco professores tinha feito algum tipo de faculdade. No entanto, o tema foi
sendo desenvolvido e atualizado no texto, conforme essa realidade mudava. Como
resultado, pôde se perceber que em 2011, este quadro havia mudado, pois já eram
três graduados a cada cinco.
Em
Política Educacional, Eneida Oto, pp. 11, 12.
Nessas
circunstâncias, percebem-se dois movimentos simultâneos e articulados: de um
lado, a afirmação da ideia de educação continuada que rompe as fronteiras dos
tempos e locais destinados a aprender. A educação torna-se processo para a vida
inteira, a tão propalada long life education. Da família ao trabalho e à
comunidade, todo lugar é lugar de aprendizagem. Difundem- se rapidamente as
noções de organizações e empresas como learning places. Afinada aos novos
tempos, a própria LDBEN estabelece que sejam reconhecidas e certificadas as
aprendizagens realizadas em outros espaços que não o escolar e, antevendo os
diferentes e não programados perfodos de estudo, propõe o ensino, por módulos,
que permite a alternância entre períodos de ocupação e de estudo. Sem dúvida,
uma medida consensualmente aceita e apropriada a um mercado de trabalho cada
vez mais restrito e excludente. (Eneida Oto, 2002)
3.
Conhecimento para uso único e instantâneo.
Uma
das perspectivas mais significativas do pensamento de Bauman está exatamente no
tipo conhecimento que se adquire na Modernidade Liquida. Para ele o
conhecimento adequado é aquele para uso instantâneo, aquele que facilmente se
descarta, pois, o fato é que nós vivemos em uma sociedade do descarte, em que
as coisas perdem rapidamente o seu poder de sedução e encanto.
O
consumismo de hoje é sobre não acumulação de coisas, mas o seu prazer
"único". Então, por que o ‘pacote de conhecimento’ obtido durante a
permanência na escola ou na faculdade está isenta dessa regra universal? No turbilhão
da mudança, conhecimento adequado para uso instantâneo e destinado a uso
“único”, conhecimento pronto para uso instantâneo e conhecimento de descarte
instantâneo do tipo prometido por programas de software que entram e saem da
loja prateleiras em uma sucessão cada vez mais acelerada, parece muito mais
atraente (Bauman, 2015).
4.
Educação para a cidadania.
Na
apresentação do livro Os desafios da educação na Modernidade Líquida (Bauman,
2007b) encontra-se a síntese baumaniana sobre formação técnica e educação para
a cidadania:
[...]
a formação continuada não deve dedicar-se exclusivamente ao fomento de
habilidades técnicas e à formação centrada no trabalho, mas, sobretudo, a
formar cidadãos que recuperem o espaço público do diálogo e seus direitos democráticos,
pois um cidadão ignorante das circunstâncias políticas e sociais nas quais está
inserido será totalmente incapaz de controlar o futuro destas circunstâncias e
o futuro de si mesmo (Bauman, 2007. Contracapa do livro).
Logo, para ele
a formação continuada deve produzir cidadãos que desenvolvem saberes críticos,
conscientes de seus direitos e capazes de recuperarem o espaço público por meio
do diálogo. Deste modo, a Educação, na perspectiva baumiana produz cidadãos
conscientes para o exercício da cidadania, isto é, prontos para o exercício
pleno de seus direitos democráticos.
5.
Educação como sinônimo de Esperança.
Uma
das coisas que ainda se observa no decorrer do processo histórico através das
mudanças que houve com a nova LDB no Brasil, é exatamente o fato que a lei
trouxe perspectivas esperançosas para a sociedade no que diz respeito à
educação dos jovens. Pois hoje, de uma forma geral, os jovens das camadas mais
baixas no Brasil conseguiram acesso à educação, ao contrário do que acontecia
anteriormente quando não tinham acesso livre a educação superior, sendo este um
dos privilégios das camadas sociais mais abastadas. Desde a educação infantil
até o ensino superior tinha-se pouco acesso à educação de qualidade. Isso fez
com que no decorrer do tempo, por meio da lei, as camadas mais pobres da
população brasileira tivessem esperança de que a situação social oriunda de um
processo histórico de exploração e privilégios das elites poderia mudar a
partir acesso à educação promovido pela lei que, por sua vez, proporcionou uma
série de mudanças que trouxeram o desenvolvimento contínuo fazendo com que os
jovens avançassem no desenvolvimento do conhecimento agora também em nível
superior. Isto, portanto, trouxe brasileiros de outras camadas sociais a um patamar
social de acesso à educação. Segundo afirmam Marcelo Soares e Nairim Bernardes,
em seu artigo sobre a LDB e como a lei mudou a Educação”,
Para se manter viva e ativa
até hoje, a LDB precisou ultrapassar barreiras governamentais e contou com o
reforço de mecanismos como o Plano Nacional de Educação (PNE), que define metas
e objetivos a serem alcançados a cada 10 anos. Soares; Bernardes,
2016)
Não resta dúvida que nas últimas décadas, após
o advento da nova LDBN, houve depois de significativo tempo transicional maior
acesso à educação por meio de leis que foram criadas e abriram portas para o
novo ensino, e este, por sua vez, trouxe uma série de oportunidades que
alavancaram a carreira de muitas pessoas das classes mais baixas da população
trazendo perspectiva e esperança de que a educação no futuro produziria seus
efeitos e mudanças ainda mais profundas ocorreria na sociedade. Segundo escrevem
os pesquisadores Barbara Bruns, David Evans e Javier Luque no estudo Achieving
World-Class Education in Brazil, publicado pelo Banco Mundial há alguns anos
atrás, entre 1990 e 2010, a evolução na escolaridade da população do Brasil
cresceu a um ritmo mais rápido que o da China.
Sobre a
esperança na educação, em seu livro Vida Líquida, Bauman afirmou:
A
finalidade da educação nesses casos é contestar o impacto das experiências do
dia-a-dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente
social. Mas será que a educação e os educadores estão à altura dessa tarefa?
Serão eles capazes de resistir à pressão? Conseguirão evitar ser arregimentados
pelas mesmas pressões que deveriam confrontar? Essa pergunta tem sido feita
desde sempre e repetidamente respondida de forma negativa pelas realidades da
vida social. E ressurge, no entanto, igualmente forte, após cada calamidade que
se sucede. As esperanças de usar a educação como uma alavanca com força
suficiente para desestabilizar e finalmente desalojar as pressões dos “fatos
sociais” parecem tão imortais quanto vulneráveis [...] De qualquer modo, a
esperança está viva e passa bem (Bauman, 2007b, p. 21).
Ele ainda
afirma que:
Embora
os poderes do atual sistema educacional pareçam limitados, e ele próprio seja
cada vez mais submetido ao jogo consumista, ainda tem poderes de transformação
suficientes para ser considerado um dos fatores promissores para esta revolução, a revolução cultural. (Bauman, 2013, p. 31)
6.
Educação superior e perpetuação de privilégios.
Entretanto,
muito embora tenhamos percebido significativas mudanças no que diz respeito a
educação Brasil, Bauman no que concerne à educação superior adverte que ela
existe, tendo sido absorvida pelo sistema capitalista, como uma educação que
perpetua privilégios. Deste modo a educação superior existe para a perpetuação
de privilégios da elite.
Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez
mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos
estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias
mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades
induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos
objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e
negligências da educação contemporânea. (ENTREVISTA GLOBO, BAUMAN)
Portanto, pode
se verificar em sua afirmação, que a educação, como é próprio de um mundo
liquido consumista, se transformou num empreendimento expandindo-se na direção
das classes menos favorecidas como um negócio lucrativo para empreendedores
nacionais e internacionais com estímulos do governo. E assim, propõe ele, “o
pensamento de que a educação pode ser um ‘produto’ que deve ser apropriado e
mantido é desanimador e certamente não fala mais a favor da educação
institucionalizada (...)”. (Bauman, 2009). Com este pando de fundo, portanto, Bauman
sugeriu em sua análise que a educação superior na Modernidade Liquida não
garante mais ascensão social, pois é um poderoso sistema de reprodução de
privilégios. Segundo ele,
Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano
monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na
melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução.
Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior,
porque alguns desses “nós" que se preocupam, pensam e escrevem sobre o
problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma
“sociedade do conhecimento" que continua sendo transformada pelo tipo de
conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é
necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas.
O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de
vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que
chamamos de “ascensão" desistiram da universidade ou nunca entraram nela.
(Bauman, Entrevista em O Globo.)
Questionado sobre o seu livro “A riqueza de poucos
beneficia todos nós?", Bauman refletiu sobre as desigualdades sociais
considerando que a educação foi incorporada pela economia de mercado. Logo,
segundo ele entende,
O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de
mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de
privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria
(escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia
a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo", no ano
passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se
tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir
custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o
diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre
os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um
valor dessa magnitude.
Portanto, como
se pode verificar, houve um impacto gigantesco da Modernidade Liquida que,
intimamente relacionado com as deliberações legais do Congresso Brasileiro e a Presidência
da República por meio da LDBEN, contribuíram significativamente para o processo
de mudanças na Educação brasileira.
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